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Imprensa

Alíquota zero para produtos de higiene feminina é um avanço positivo

Reforma Tributária busca reduzir desigualdades; revista Problemas Brasileiros analisa algumas situações de desvantagem para as mulheres na comparação com os homens

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Alíquota zero para produtos de higiene feminina é um avanço positivo
Mulheres pagam, em média, 12,3% a mais por produtos semelhantes aos desenvolvidos para o público masculino. Veja a análise da revista Problemas Brasileiros

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a remuneração recebida pelas mulheres representa, em média, 78% do rendimento dos homens, isto é, uma diferença de mais de 20%. Contudo, é no mercado de consumo que a diferença fica ainda mais evidente. Ter filho do sexo feminino custa mais caro do que se o herdeiro for um menino.

A máxima ouvida aos quatro cantos por pais e mães está amparada em dados. As roupas de bebê com cores e personagens destinadas às meninas têm uma valoração de 23% em comparação às voltadas a meninos. Com relação aos brinquedos, o índice chega a 26%. Os dados fazem parte de pesquisa realizada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). No caso de um kit de lâmina de barbear, verificou-se que o item é 100% mais caro na versão da cor rosa. Conforme o levantamento, as mulheres pagam, em média, 12,3% mais caro por produtos idênticos aos direcionados ao público masculino, “apenas por serem rosa”, como afirmou o professor Fábio Mariano Borges responsável pela pesquisa Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo.

Apelidado de pink tax (“taxa rosa” ou “custo rosa”), esse não é um movimento exclusivo do Brasil. Trata-se de uma prática de mercado consumerista apoiado em técnicas de marketing e design que torna os produtos desenvolvidos para mulheres mais caros que para os homens, mesmo que se trate de itens semelhantes. Pesquisa publicada em 2015 pelo Consumer Affairs (DCA), da cidade de Nova York, analisou mais de 800 produtos de 90 marcas, divididos em 35 categorias (entre brinquedos, roupas para crianças e adultos e itens de cuidados pessoais e de saúde para idosos), abrangendo todas as faixas etárias. As conclusões foram alarmantes: a mulher sai em desvantagem em 30 dessas categorias. Produtos voltados a esse público são mais caros em 42% dos casos. Além disso, o jornal britânico The Times constatou, em pesquisa de 2016, que produtos considerados femininos custavam, em média, 37% a mais. Dentre aqueles que ficaram mais caros apenas por serem cor-de-rosa, estão lâminas, canetas e roupas.

Justificativas

“São diversas as versões para tentar justificar esse ônus nos itens destinados ao público feminino, desde razões históricas, como a redução de encargos sobre itens masculinos — como uma forma de atrair e aumentar o consumo entre os homens —, até estratégias para atrair de volta o consumo dessa parcela da população depois da crise de 1929 e da Grande Depressão até os dias atuais, quando há uma visão distorcida de que a produção de artigos destinados ao público feminino é, comparativamente, mais cara que a de itens masculinos, o que, na maioria dos casos, não procede”, afirma Paula Acioli, pesquisadora e analista de moda, idealizadora e coordenadora do curso de formação executiva em Negócios de Moda, na Fundação Getulio Vargas (FGV).

Beatrys Rodrigues, professora de pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo na ESPM, considera que não há como apontar apenas uma causa, porque o pink tax está inserido em um contexto complexo de desigualdades econômica e social de gênero que afeta diversos aspectos do mercado — começando pela desigualdade salarial — e as mulheres como consumidoras. “É importante ressaltar que o pink tax vem de uma construção histórica que subalterniza essa população por meio da opressão econômica e que afeta, de maneira mais profunda, mulheres negras, pardas e indígenas no País. Não é apenas sobre a caneta rosa ser mais cara do que a azul, é também sobre cobrar mais de mulheres em todos os serviços devido ao seu gênero”, explica.

Segundo Beatrys, as empresas que fazem essa distinção podem apresentar diversas racionalizações econômicas sobre seus motivos na diferença de preço: impostos diferentes, marketing especializado, uso de materiais, competição, entre outros. “É importante ressaltar que todos esses fatores são parte de uma lógica mercantil que, no fim das contas, retira o poder econômico das mulheres e perpetua desigualdades”, enfatiza. “O custo ‘mulher’ — e aqui deixo claro que estou falando de gênero, e não de sexo —, independentemente de produtos de beleza, seguros, saúde, anticoncepcionais e cuidados infantil familiar e menstrual, aponta para um mundo que foi desenhado para desvalorizar o feminino”, complementa.

Essa cobrança majorada, ressalta Paula, além de não fazer sentido (uma vez que o público feminino consome mais do que o masculino), reforça ainda mais a diferença de tratamento entre gêneros, apesar de a fatia da população feminina ter participação importante não apenas no mercado de trabalho, mas também na economia do País como um todo. “A cobrança maior por itens femininos não é uma exclusividade do Brasil. Acontece em diversos países, inclusive aqueles com grande desenvolvimento econômico, como Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos, onde diversos Estados já estão revendo leis relativas a essas questões”, diz.

Por aqui também existem alguns Projetos de Lei (PLs) que tentam acabar com essas distorções, conforme explica a advogada Carolina Vesentini, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “É uma prática de mercado que causa impacto à vida das mulheres, traz desigualdade de gênero e é discriminatória”, considera a representante dos consumidores. Um dos PLs em tramitação contra a taxa rosa foi apresentado em março do ano passado pela deputada Natália Bonavides (PT). O objetivo é incluí-la no rol de “práticas abusivas” do Código de Defesa do Consumidor (CDC), com a aplicação de multas e outras sanções para quem fizer uso desse imposto.

Além disso, em março deste ano, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) publicou uma nota técnica com diretrizes de proteção e defesa da consumidora. O texto define a taxa rosa como uma prática abusiva que será combatida. “Deve existir um motivo que não seja discriminatório, tampouco uma questão de gênero. Essa prática é abusiva”, reforça Carolina. Paula concorda que debates como esse escancaram prática discriminatória de gênero e precisam ter envolvimento direto da sociedade como um todo, além de engajamento e vontade política. “No Brasil, onde o próprio Ministério da Justiça considera a taxa rosa prática segregatória, a discussão está se consolidando. Contudo, ao que parece, ainda há um longo e burocrático caminho a ser percorrido”, afirma.

Imposto igual

Apesar do nome característico, João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), explica que a taxação é igual. No entanto, como a tributação é sobre o consumo, acaba desfavorecendo quem ganha menos — e, com isso, impacta mais as mulheres.  “Temos um princípio constitucional que diz que produtos mais supérfluos devem ter alíquotas mais elevada, e entre os produtos que as mulheres geralmente consomem, muitos são considerados dispensáveis, como cosméticos. Nesse sentido, os produtos têm tributação igual. Não existe na legislação nada que possa ser diferente”, explica. “Os salários menores afetam mais as mulheres. O produto acaba ficando mais caro para mulheres do que para homens”, complementa Olenike.

De acordo com Kelly Carvalho, assessora econômica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a Reforma Tributária poderia ser um instrumento para reverter esse quadro. “No fim de março, grupos de pesquisa apresentaram propostas para que a reforma reduzisse desigualdades entre homens e mulheres. No entanto, o texto em pauta intensifica as desigualdades de gênero e de raça no País. Na economia do cuidado, refere-se ao pink tax, que vai além da tributação em si”, diz. Ela lembra que esse elemento é facilmente observado, por exemplo, na indústria farmacêutica, que produz medicamentos específicos para mulheres com o mesmo princípio ativo daqueles vendidos para homens, mas que podem chegar a custar 20% mais caro. “A tributação não é diferenciada, mas o mercado trata de maneira diferente. Entretanto, há um impacto tributário indireto, porque na medida em que a mulher cai nesse marketing de que o produto é especial, ela vai pagar mais — e, pagando mais, haverá mais tributação sobre o consumo”, afirma.

Ainda de acordo com Kelly, o atual texto da Reforma Tributária, em discussão no Senado, pode comprometer o empreendedorismo feminino. “Além da participação das mulheres no setor, chama a atenção a discrepância fiscal quando se analisa a tributação pelo recorte de gênero. Os métodos contraceptivos femininos, por exemplo, recebem quase o dobro da tributação do masculino. Isto é, enquanto o preservativo masculino tem tributação de 16,25%, a pílula anticoncepcional é tributada em 30%, e o DIU, em 32,45%.” As mulheres, que representam 51,1% da população, além de liderarem metade dos lares brasileiros, serão diretamente afetadas pela majoração da tributação do consumo. “Por isso, a participação efetiva delas é fundamental para que o texto a ser aprovado no Senado Federal não culmine em mais discrepâncias fiscais e prejudique os negócios que elas comandam.”

Tentando mudar

A Frente Parlamentar da Mulher Empreendedora, lançada em julho na Câmara dos Deputados, tem atuado para tentar mudar essa situação, juntamente com a FecomercioSP — que participa ativamente nos debates, inclusive enfatizando a questão de que a tributação maior em produtos similares aos masculinos impacta negativamente as mulheres. “Apesar de o empreendedorismo não ter gênero, é preciso olhar para a questão da mulher empreendedora, das dificuldades que elas enfrentam”, afirma Kelly. A expectativa é que essas discussões ecoem em melhorias no texto em tramitação no Senado. “Esse é um ponto que precisa de um olhar atento. Não se trata de um benefício, trata-se justamente da aplicação do princípio da isonomia, porque, no fim, o setor de Serviços vai pagar mais que a Indústria e o Comércio.”

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