Economia
23/10/2025Manifesto: é hora de o Congresso agir — o Brasil precisa da Reforma Administrativa
Legislativo tem material robusto, oriundo do GT da Reforma, para avançar com PEC até o ano que vem; agenda pode ser tema relevante nas eleições de 2026

Com um relatório de mais de 500 páginas em mãos, o Congresso Nacional tem material sólido para avançar, a partir de agora, no escopo de uma Reforma Administrativa.
O texto, produzido pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) e fruto de debates entre a Câmara, autoridades, empresas e a sociedade civil organizada — com toda a mobilização, também, de cerca de cem entidades representativas encabeçada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, oferece caminhos para que a reforma seja apreciada, discutida e votada. Neste momento, há a oportunidade de que o País inicie um debate relevante sobre a qualidade do gasto público.
O processo institucional, inclusive, já foi pavimentado, com a apresentação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de um Projeto de Lei Complementar (PLP) e de um Projeto de Lei (PL), que contaram com muitas contribuições da FecomercioSP. Os documentos ainda não foram numerados, mas, na visão da Entidade, urge que essas tramitações comecem ainda neste mês.
No caso da PEC, por exemplo, ela só pode ser aberta com a assinatura de 171 deputados da Câmara. O abaixo-assinado está em curso.
Foco na melhoria dos serviços
Um dos logros do texto apresentado pelo Grupo de Trabalho (GT) está em reestruturar o modelo dos serviços públicos por meio de metas e resultados ligados ao desempenho de cada colaborador. O texto prevê que as instâncias públicas deverão produzir, a cada novo mandato, um planejamento estratégico com objetivos periódicos e planos para alcançá-los, separando-os por órgãos e entidades e, principalmente, estimulando o sucesso deles por meio de bonificações a partir dessas metas.
Para a FecomercioSP, esse é um tema caro. O diagnóstico da Federação é que, no modelo atual, os servidores trabalham sem critérios relacionados à eficiência e à produtividade — o contrário da lógica da iniciativa privada, em que a mensuração de desempenho já é consolidada. A progressão automática de carreira por tempo de trabalho sem avaliação dos serviços não é adequada e desestimula a busca pela qualidade e pela eficiência.
O ponto é que essa lógica administrativa custosa e que funciona mal faz com que o Estado contribua para aprofundar a desigualdade, porque, no dia a dia, as classes mais baixas são aquelas que dependem de estruturas estatais precárias na Educação, na Saúde e nos Transportes, por exemplo.
Nesse sentido, o texto acerta em prever planejamentos específicos para a força de trabalho baseados nos dez anos anteriores de gestão; em estimular que haja mais transversalidade de carreiras, o que impactará, a médio prazo, a forma de organizar os concursos públicos; em aumentar os níveis de progressão de cargo, o que fará com que os servidores se mantenham motivados a seguir avançando no plano de carreira; e em, principalmente, acabar com a progressão apenas por tempo de serviço.
Algumas medidas que já estavam em vigor, como a organização de concursos unificados, devem ser emendadas à lei geral de forma a basear a nova política de Estado, e não de governo.
Se todas as propostas do texto do GT da Câmara forem adiante, o Brasil dará um passo decisivo em direção a uma máquina pública mais eficiente. O documento, bastante influenciado pelos debates da FecomercioSP e de outras entidades, ataca, com a intensidade necessária, os problemas atuais relacionados à estrutura estatal de funcionamento.
Transformação digital mais forte
Os projetos também atravessam, de maneira interessante, os esforços para ter o País mais digitalizado e acessível do ponto de vista de serviços públicos. São louváveis, dentre outros pontos, a ideia de incentivar a máquina a desenvolver as próprias soluções digitais, por meio de laboratórios específicos, e o plano de permitir que os usuários avaliem o trabalho dos servidores, tal como se pode fazer hoje em aplicativos comuns.
A centralidade dada à plataforma Gov.br, que já foi amplamente defendida pela Federação, também é importante — embora, vale dizer, já esteja em andamento há algum tempo.
Se há um elemento a ajustar nesse eixo é a ideia de elaborar planos nacionais para o governo digital com validade de dez anos. Esses projetos serão a base da adoção de novas tecnologias e soluções e das inovações, no âmbito dos serviços, nesse prazo.
Para a FecomercioSP, porém, considerando a rapidez com que os dispositivos e as possibilidades oferecidas avançam, estipular um período tão longo para a vigência do planejamento pode acabar por travar os processos que os planos pretendem, justamente, flexibilizar. O ajuste, porém, deve ser facilmente realizado nos debates na Câmara.
Fim dos privilégios
Principal chamariz do debate como um todo, o texto do GT também dá caminhos para o Congresso extinguir uma série de benefícios injustos que tornam a estrutura do Estado uma máquina de desigualdades.
Só para se ter uma ideia, o rendimento médio do servidor federal é mais que o dobro do empregado de uma empresa privada — e até mesmo entre os entes federativos a diferença é enorme. O servidor federal tem um rendimento médio 53% superior ao estadual e 168% acima do municipal, os quais estão na ponta do atendimento nos Estados e nas cidades.
É fundamental que a Reforma Administrativa contemple os Três Poderes e acabe com os privilégios e as bonificações que fazem com que os salários ultrapassem o teto constitucional e resultem em gastos exorbitantes. Por exemplo, as despesas do Brasil com o Poder Judiciário são equivalentes a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano. Em um país vizinho, como o Chile, essa taxa é de 0,21%, enquanto na Alemanha, de 0,28%.
O escopo dos projetos prevê, dentre outras coisas, acabar com dispositivos que permitam essas disparidades, como férias de 60 dias, adicionais de férias com valores muito além das remunerações ordinárias, adicionais por tempo de serviço e verbas remuneratórias disfarçadas de indenizações.
Gestão fiscal
Por fim, a FecomercioSP entende que, dada a complexidade do tema, é hora de focar a Reforma Administrativa na melhoria dos serviços públicos à população, e que a agenda ganhe, assim, contornos propriamente sociais. Em outras palavras, o objetivo principal é dinamizar a máquina pública para que esta deixe de funcionar só como uma aprofundadora das desigualdades sociais.
Isso significa dizer que os impactos fiscais decorrentes dessas mudanças, se fundamentais, devem ser deixados, a priori, em segundo plano.
O texto do GT traz alguns pontos que podem ser mais bem discutidos na Câmara, como a ideia de criar uma revisão anual de gastos pelas instâncias públicas. Considerando que o atual governo tem buscado promover um ajuste fiscal apenas pelo lado da arrecadação, e não por corte de despesas, é preciso encontrar maneiras de controle orçamentário.
Da mesma forma, o plano de criar um conselho debruçado sobre a gestão fiscal (que seria chamado de CGF) deve ser mais bem analisado, já que, além de criar um órgão público, pode assumir tarefas que já são realizadas hoje por entidades existentes. Há, contudo, boas intervenções previstas, como limitar as despesas dos Poderes e dos órgãos e levar mais racionalização dos custos para os municípios, o que está em consonância com a meta da Entidade de incentivar a adoção da Reforma Administrativa para além do nível federal.
Com um ótimo material em mãos, os deputados e senadores devem agilizar a análise, de forma a colocar o tema em debate com a sociedade e votá-lo com a pressa que esse assunto demanda. O avanço do GT foi tão significativo que é importante pensá-lo como um dos momentos nacionais mais relevantes desde a Constituição, em 1988. Isso porque essa agenda vem à tona em meio a um Estado desorganizado e que não consegue entregar resultados à população, embora mantenha a arrecadação em níveis altíssimos (34% do PIB).
A FecomercioSP defende uma reforma que permita uma melhoria efetiva dos serviços como forma de reduzir a desigualdade social. Considerando que as classes menos favorecidas seguem dependentes de serviços públicos ruins, a diferença para os mais ricos segue aumentando, já que a classe de renda mais alta tem condições de pagar por serviços privados em várias esferas. É por isso que a Entidade seguirá atuando.