Legislação
29/07/2024“A operacionalização do sistema não foi pensada durante a elaboração da Reforma Tributária”, afirma Argos Simões
Presidente do TIT destaca que PLP 108 tenta corrigir falhas práticas da EC 132, entretanto, deixa muitas dúvidas quanto ao futuro do processo administrativo
As discussões sobre como ficará o sistema tributário nacional com o ingresso do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) fazem parte do dia a dia de qualquer empresário, independentemente do porte da companhia. Entretanto, pouco se fala sobre como funcionará o processo administrativo no novo sistema, e nem como se dará a tramitação dos processos de cobrança dos novos tributos.
A resposta começou a ser dada no Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que está em tramitação no Congresso Nacional, e pretende dar ao Comitê Gestor a autonomia para coordenar, julgar e definir regras para o IBS.
Esse tema de extrema importância para os contribuintes foi debatido por Argos Campos Ribeiro Simões, presidente do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo, durante a reunião presencial do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP), na última quarta-feira (24).
De acordo com o PLP 108, o Comitê Gestor do IBS será responsável por editar regulamentos, uniformizar a interpretação e aplicação da legislação do imposto, coletá-lo, efetuar compensações, realizar retenções e distribuir a arrecadação aos estados, Distrito Federal e municípios.
Além disso, decidirá sobre os contenciosos administrativos e atuará junto ao Poder Executivo para harmonizar as interpretações relativas ao IBS e à CBS, além de pretender trabalhar de forma cooperativa com a Secretaria Especial da Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Esses “superpoderes” centralizados em um órgão preocupa Simões, que aponta a diferença das culturas fiscais dos estados como um dos principais entraves para uniformizar o processo administrativo do novo sistema tributário. “A cultura fiscal dos estados é diferente e precisará ter critérios iguais para cumprir o proposto pelo PLP 108, além de termos que lidar com as formações díspares (estados e municípios), havendo a necessidade de treinamento e de admissão, aparentemente, por concurso público. Essa unidade é extremamente difícil de ser alcançada, o que evidencia que a operacionalização do sistema não foi pensada durante a elaboração da Reforma Tributária”, apontou o presidente do TIT.
Estrutura desfavorável
O projeto de reforma que visa modificar a composição dos tribunais administrativos tem provocado debates intensos entre os defensores da paridade e os representantes dos contribuintes. Segundo os críticos, o projeto frustra em parte os princípios de paridade ao determinar que as câmaras de julgamento serão compostas exclusivamente por agentes fiscais responsáveis pelo lançamento de crédito tributário, sem a participação de representantes dos contribuintes, conforme disposto no artigo 104.
“Fica claro que a Reforma deixa de fora, em pontos cruciais, os interesses do contribuinte”, afirmou Simões.
Na instância recursal, embora haja equilíbrio junto aos julgadores, o presidente, que terá o voto de desempate, deverá obrigatoriamente ser escolhido pelos servidores da Fazenda Pública, conforme estipulado nos parágrafos 3º e 5º do artigo 106. Além disso, a câmara superior do IBS, responsável pela uniformização da jurisprudência, será formada exclusivamente por servidores de carreira do Estado, do Distrito Federal e dos municípios, novamente prejudicando o equilíbrio e paridade necessários para julgamento do processo administrativo.
De acordo com o PLP 108, o processo administrativo proposto ignora a interpretação, ou seja, a divergência para compreender as normas e leis. “O texto prevê que o Comitê Gestor terá a mesma interpretação do agente fiscal que lavrou o Auto de Infração. Isso tira do processo a figura do julgador administrativo tributário com independência funcional e equidistante das partes para interpretar o contencioso, o que acarretará em problemas graves, principalmente para os contribuintes”, ponderou Simões.
Ainda segundo o presidente do TIT, a ausência de representação equitativa dos contribuintes em todos os níveis decisórios pode comprometer a imparcialidade e a justiça nas decisões administrativas tributárias.
Debate necessário
As diversas “pontas soltas” no texto do PLP 108 sobre o processo administrativo tributário do IBS demandam discussões mais aprofundadas no Congresso para que a legislação não seja finalizada com problemas graves, que podem acarretar no aumento do contencioso no País, por divergências jurídicas, inclusive pelo ponto de vista constitucional.
“Esperamos que no Senado as coisas não sejam tratadas de uma forma açodada como ocorreu na Câmara dos Deputados, no âmbito do PLP 68/2024. Precisamos discutir melhor a forma como o novo sistema vai funcionar na prática e termos a certeza que será melhor do que o sistema vigente”, afirmou Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Codecon/SP.
Por fim, Simões destacou que o PLP 108 precisa indicar se haverá o aproveitamento ou não das Estruturas Organizacionais Fiscais Estaduais e Municipais existentes, órgãos com vasta experiência, como o TIT que completou 89 anos em 28 de junho, que poderiam contribuir para garantir o direito ao contraditório e ampla defesa na seara administrativa.
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