Legislação
09/12/2025Sistema mais complexo e perda de autonomia de Estados e municípios são efeitos colaterais da Reforma Tributária
Durante o 7º Congresso Codecon/SP, juristas e técnicos apontam risco de mais complexidade e centralização de poder no Comitê Gestor do IBS
Mary Elbe Queiroz fala sobre a possível perda de autonomia de estados e municípios. (Foto: Edilson Dias/FecomercioSP)
Luciano Garcia Miguel aborda as atribuições do Comitê Gestor. (Foto: Edilson Dias/FecomercioSP)
Paulo César Teixeira Duarte Filho defende o investimento em sistemas para controle de fluxo de caixa. (Foto: Edilson Dias/FecomercioSP)
Alessandra Heloise Vieira compartilha o trabalho feito com as pequenas empresas. (Foto: Edilson Dias/FecomercioSP)
O 7º Congresso do Codecon/SP de Direito Tributário, que ocorreu no dia 26 de novembro, na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entidade que há 22 anos integra o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP), colocou em evidência dois riscos centrais da implementação da Reforma Tributária: a potencial criação de um sistema ainda mais complexo durante a transição e a significativa perda de poder de decisão de Estados e municípios no novo modelo.
O período de transição, marcado para o ano de 2026 — que prevê a coexistência gradual do atual sistema com o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) —, foi apontado como uma fase de alta complexidade e insegurança jurídica. Para Ives Gandra da Silva Martins, presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, o País corre um perigo concreto. “Substituímos um sistema imperfeito, mas conhecido, por outro ainda mais complexo, especialmente nos primeiros anos. A sobreposição de regras durante a transição criará um labirinto para os contribuintes e os fiscos, elevando os custos de compliance e o risco de litígios”, avaliou.
A visão é compartilhada por Luciano Garcia Miguel, diretor-geral do Contencioso e Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz/SP), que criticou a falta de um modelo internacional consolidado a ser seguido. “O Brasil se tornou pioneiro ao adotar uma estrutura que ainda não foi testada. Aprendermos na base de erros e acertos, com a economia e os contribuintes pagando o preço por essa experimentação”, afirmou. Segundo ele, a aprovação do modelo se deu em um “ato de fé”, sem a devida previsão dos desafios operacionais dessa fase híbrida.
Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), também elencou as promessas feitas durante a discussão da Reforma Tributária no Congresso, que dificilmente serão cumpridas. “Estados e municípios não têm mais o poder de legislar sobre a matéria tributária, salvo a fixação da alíquota. A transferência da competência para a União representa uma perda histórica de autonomia, e o risco de desequilíbrios financeiros é real, principalmente para os entes exportadores líquidos, como São Paulo”, apontou.
A presidente do Cenapret também chamou a atenção para um possível aumento nos litígios, que iria de encontro à proposta inicial da reforma, ocasionado pela disputa de poder entre Comitê Gestor e Estados e municípios.
Para Miguel, a intenção do novo sistema é centralizar o poder. “É um projeto claro de centralização. Estados e municípios passarão a exercer poder apenas por meio de um colegiado, cuja diretoria-executiva, dominada pela União, tenderá a concentrar grande influência. Teremos voz, mas em um cenário no qual o nosso poder de voto é minoritário, a capacidade de decisão efetiva fica drasticamente reduzida”, ponderou.
Tecnologia na transição
O Congresso do Codecon/SP também jogou luz a uma questão urgente nas empresas: a adaptação dos sistemas para o período de transição, que já terá impactos profundos para o dia a dia empresarial a partir do dia 1º de janeiro de 2026.
Segundo Paulo César Teixeira Duarte Filho, doutor em Direito Econômico pela Universidade de Ciências Econômicas de Viena (WU) e mestre em Direito (LL.M.) pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique (LMU), a tecnologia deve ser utilizada pelas empresas para garantir segurança jurídica e mais produtividade. “O período de transição requer investimento em tecnologias para dar conta das obrigações fiscais, mas principalmente para a sobrevivência das empresas no período de transição e também no pós-reforma. Desde já, deve-se investir em soluções para o controle de fluxo de caixa, já prevendo as novas alíquotas, a possibilidade de creditamento e maior controle de conformidade dos fornecedores”, afirmou.
O mercado já está se preparando às mudanças desde o início do ano e muitas pequenas empresas, que não contam com grandes estruturas e apoio jurídico robusto estão sendo orientadas por grandes empresas parceiras para tomar as melhores decisões e continuar competitivas.
Alessandra Heloise Vieira, tax director do Mercado Livre, acredita que o marketplace promove uma série de encontros com os empreendedores parceiros, visando à melhor adaptação com a reforma. “Este é um período fundamental para o futuro dos negócios, pois as pequenas empresas devem pensar se o regime do Simples Nacional continuará sendo vantajoso no novo sistema ou se o outro regime será mais viável”, destacou.
Isso acontece porque as operações envolvendo as empresas optantes pelo Simples Nacional não gerarão crédito tributário, o que é extremamente prejudicial para as grandes companhias. A mudança para o regime normal (lucro real) tornará as pequenas empresas mais competitivas, uma vez que assegura o direito ao crédito, entretanto, obrigará os negócios a terem mais custos para dar conta das obrigações fiscais e mais burocracia.
O consenso entre os palestrantes é de que, sem um diálogo técnico sério e ajustes na governança do sistema, a reforma destinada a simplificar pode, em curto e médio prazos, gerar mais conflitos, inseguranças e custos do que benefícios, pondo em risco a competitividade da economia brasileira.
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