Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política
14/05/2020Carta de Conjuntura - maio 2020
Represamento do crédito pelos bancos pode maximizar o impacto da crise e retardar a saída do País dessa situação, avaliam copresidentes do CEEP
Antonio Lanzana e Paulo Delgado, copresidentes do CEEP
(Arte/TUTU)
Introdução
O elevado grau de incerteza prevalecente tanto na economia mundial como na brasileira afeta a precisão de qualquer análise de conjuntura. Estamos atravessando um momento ímpar nas estruturas econômicas, com choques simultâneos de oferta e demanda. Esse efeito está sendo amplificado, porque encontrou a maioria dos países em desenvolvimento sem espaço para alargar políticas fiscais e os países desenvolvidos já sem poder de política monetária tradicional. Nas esferas sanitária e econômica, muito está sendo testado pela primeira vez, o que torna o desafio ainda mais complexo. Apesar dessas dificuldades, o objetivo desta carta é apresentar aspectos atuais dos ambientes político e econômico mundiais e nacionais em curto e longo prazos.
Cenário político
Os desdobramentos prosseguem conduzidos pela via judicial, e não pela política. É o Supremo Tribunal Federal (STF) que organiza o enredo e o roteiro, enquanto o Congresso fica na expectativa de receber (ou não) as denúncias que estão sendo apuradas. Um fato a observar é que as decisões mais recentes do STF – dez ao todo e envolvendo a relatoria de seis ministros dos 11 da corte – mostram uma postura desfavorável em relação às decisões do Executivo. Em paralelo, o presidente da República continua a optar pela estratégia de enfrentamento, e não de diálogo e coesão.
No governo, a tentativa de unificar o perfil do ministério, com a saída dos ministros da Saúde e da Justiça, teve um custo político considerável ao Executivo, já afetado no relacionamento com governadores e prefeitos por sua postura pessoal em relação à pandemia. Observa-se um ambiente político de tensão prolongada entre os poderes, sem perspectiva de solução de curto prazo, o que deve dificultar um processo coeso de saída da crise causada pelo coronavírus. Qualquer solução deve vir pela via democrática, respeitando os limites institucionais definidos pela Constituição. Ressalte-se que as instituições do País continuam sólidas.
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Cenário internacional
Olhar dados pontuais não é a melhor forma de analisar o cenário futuro. A economia norte-americana, por exemplo, é muito dinâmica e consegue absorver um grande aumento do número de desempregados, fazendo com que a retomada também possa ser mais ágil do que outros países. Para se ter uma ideia, em abril, 20,5 milhões de norte-americanos perderam o emprego, levando a taxa de desemprego de 4,4% para 14,7%, segundo o Departamento de Emprego dos Estados Unidos. Mas é preciso aguardar a divulgação de outras variáveis para se ter exata noção do tamanho do impacto da interrupção da economia.
No mundo ocidental, é fato que haverá apoio governamental nos âmbitos monetário e fiscal. O que causa estranheza é a falta de políticas de estímulo mais contundentes do governo chinês, que tem se mantido menos atuante. De qualquer forma, a recuperação, agora, parece que será mais demorada do que se imaginava de início, principalmente porque há receio de uma segunda ou terceira onda de contaminação. Esse quadro indica que os preços das commodities tendem a permanecer mais baixos por algum tempo e, por isso, dificultar a recuperação dos países em desenvolvimento.
Enfrentamento do covid-19
Apesar dos vários pacotes de socorro já anunciados, o crédito ainda não chegou ao médio e ao pequeno empresário, principais empregadores da economia. O represamento desses recursos pelos bancos pode maximizar o impacto da crise e retardar a saída do País dessa situação. Não haverá crédito enquanto não for resolvida a questão das garantias e dos fundos garantidores. Isso porque a fluidez do crédito não ocorre em razão do aumento do risco das empresas tomadoras. Se o governo gerar fundos para garantia, conseguirá assegurar os recursos de volta aos bancos, caso o empresário não tenha como pagar. Para isso, o Tesouro pode aportar recursos em fundos do BNDES e do Banco do Brasil. Considera-se que para cada real investido no fundo, seja possível garantir o empréstimo de quatro ou cinco reais por intermédio dos bancos privados.
Como a inflação está controlada (deve fechar próxima a 1,5% no ano), o Banco Central tem espaço para reduzir ainda mais os juros. Os efeitos dessa política de diminuição dos juros são, basicamente, redução do custo da rolagem da dívida do governo e maior pressão sobre a taxa de câmbio. Apesar da desvalorização do real, a inflação no médio prazo se mantém confortável em função dos baixos preços das commodities, da retração da demanda e ainda da fraca relação do câmbio com o IPCA.
Mesmo considerando as eventuais saídas de dólares geradas por esse quadro, a situação das contas externas permanece favorável.
Por último, ao se analisar a situação da produção e das vendas, percebe-se que as projeções ficam cada vez piores em decorrência da necessidade de se estender o período de quarentena. Segundo o IBGE, os dados referentes ao comércio, aos serviços e à indústria relativos a março já sinalizaram para um período subsequente de forte deterioração. As vendas do varejo retraíram 6,3%; o volume de serviços caiu 2,7%; e a indústria recuou 3,8%. Pode parecer pouco no contexto geral, mas, observando os números de forma detalhada, é possível entender os impactos da pandemia. No comércio, por exemplo, enquanto supermercados e farmácias cresceram 11,1% e 12,1%, respectivamente, vestuário registrou retração de 39,6%; eletrodomésticos caiu 12,4%; e combustíveis perdeu 11,2%. Nos serviços, houve uma melhora dos setores ligados à tecnologia da informação (10,4%), porém, serviços prestados às famílias – como hotéis, restaurantes e entretenimento – caíram 33,4%.
Em resumo, a tensão do ambiente político afeta as ações de combate aos efeitos econômicos da pandemia e se reflete na maior volatilidade dos mercados.
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