Editorial
26/06/2023A bomba-relógio da China
Especialista comenta sobre as dívidas corporativas que têm atingido a economia chinesa
*Por André Sacconato
O gigante asiático segura uma bomba-relógio que está prestes a explodir a qualquer momento: os Local Goverment Funding Vehicles (LGFVs). Em geral, trata-se de dívidas corporativas, o que, a princípio, parece algo muito salutar para uma economia. No entanto, escondem uma face complexa do panorama de um país.
Na verdade, esses títulos pertencem aos governos locais chineses, as operações off-balance sheet, ou seja, fora dos balanços oficiais. Diante da crise imobiliária, da política Covid-zero e da contenção de fundos do governo central, os governos das províncias (tal como Estados de uma federação) sentiram a pressão de estimular a economia, mas sem recursos.
Uma das maiores fontes de receita dessas regiões é a concessão de terras para obras do setor imobiliário. Em alguns casos, a venda dessas terras pode gerar salários e alavancagem, aqui vale lembrar que, na China, o território pertence ao Estado.
Com a abrupta queda dessas vendas, incentivada pelas restrições de alavancagem propostas pelo governo de Xi Jinping ao setor (three red lines) e da Covid-zero, as províncias sofreram com a redução drástica de receitas (em conjunto com a pressão do governo central).
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A fim de dar conta desse paradoxo, as empresas precisaram emitir mais LFGVs, ao criar empresas privadas para conduzir os negócios, emitindo dívidas e absorvendo capital para serviços públicos e investimentos em geral.
Essas dívidas, geralmente compradas por bancos, foram inseridas nos balanços das empresas, mas não do governo local, e, embora, implicitamente, sejam vistas como garantidas pelo Estado, não o são na prática. Isso acabou gerando um descompasso entre as taxas de juros praticada e a de mercado.
Para se ter uma ideia do problema que isso pode acarretar, estimativas dizem que essa dívida já esteja entre US$ 8 trilhões e US$ 10 trilhões, maior, inclusive, do que a dos governos locais dentro do balanço, estimadas em US$ 5 trilhões. O Produto Interno Bruto (PIB) chinês, hoje, chega a quase US$ 12 trilhões. Além disso, mais de 205 províncias já gastam mais de 10% da receita com juros, algumas chegando a até 45%, atrasando pagamentos a fornecedores e salários.
O pior de tudo é que não há projeção de uma solução a curto prazo, dado que produtividade do setor imobiliário do país está caindo, assim como o investimento em infraestrutura.
Dessa forma, só um grande pacote estatal quebraria um ciclo de quedas, mas não parece que o comitê central esteja disposto a distribuir recursos na área, pois essa ideia não está nos planos de longo prazo do partido.
Por outro lado, estima-se que mais de três quartos dos recursos dos consumidores do país estejam em algum ativo ligado a imóveis, por isso, uma crise influenciaria diretamente a riqueza percebida. É importante destacar que não estamos falando de salários, mas do valor das poupanças, o que desestimula o consumo.
Eis, então, um ciclo muito negativo que não será revertido com política monetária, como o governo chinês, muito timidamente, vem tentado fazer. O setor imobiliário não está nessa situação por causa dos juros, mas por falta de confiança.
Nada mudará sem um expressivo pacote de ajuda, o qual, aparentemente, não virá. E esse cenário serve como um alerta para o Brasil: a China aceitará crescimento menor em detrimento de alguns ajustes, desincentivando melhorias nos preços das commodities, em especial as de infraestrutura. É tempo de aproveitar e trabalhar em cima dessas mudanças, e rápido.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 23 de junho de 2023.
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