Editorial
22/09/2021A crise de eletricidade
Governo deixa a desejar ao não priorizar a preservação dos reservatórios, avaliam José Goldemberg e Cristiane Cortez em artigo
Lógica usada pelo ONS na otimização da geração ignorou as consequências do aquecimento global
(Arte: TUTU)
*Por José Goldemberg e Cristiane Cortez
Estamos em plena crise de eletricidade no Brasil, que só vai se agravar com a chegada do verão, quando o consumo cresce.
A gestão do sistema interligado nacional pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) tem deixado a desejar nos últimos anos, pois foi dada baixa prioridade à preservação da água nos reservatórios, já insuficiente. A lógica usada pelo ONS na otimização da geração ignorou as consequências do aquecimento global, que vem reduzindo gradativamente as chuvas no Sudeste do Brasil ao longo dos anos. A ideia de que pouca precipitação num ano é compensada por chuvas abundantes nos próximos —que se mostrou adequada no século 20— não é mais apropriada no século 21.
A estratégia do governo federal, até o momento, tem sido a de atacar o problema promovendo aumento da geração de eletricidade: importando dos países vizinhos, usando as térmicas disponíveis —queimando carvão ou gás natural a um custo cerca de dez vezes maior do que o que seria gasto com fontes renováveis e construção de novas—; uma política com sérias limitações, pois leva muitos meses ou anos para instalar mais usinas geradoras.
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E ainda, de imediato, como resultado, o custo da eletricidade já cresceu —e assim continuará. Notícias apontam que a bandeira tarifária 2, majorada em 52%, que adiciona R$ 9,49 para cada 100 kWh consumidos, aumentou para cerca de R$ 14,20 (a agência reguladora de energia elétrica previa o teto de R$ 11,50, segundo consulta pública feita em julho).
Este é o problema que enfrentamos hoje. A curto prazo, a única coisa que se pode fazer é reduzir o consumo, isto é, atacar o problema pelo lado da demanda, a fim de evitar apagões e racionamento, como já ocorreu na crise de 2001. Podem ser adotadas várias medidas, como desligar o ar-condicionado e a iluminação exagerada e desnecessária, além de regular equipamentos ou trocar por mais eficientes. Entretanto, essas ações exigem o engajamento de dezenas de milhões de consumidores. Somente no estado de São Paulo, 20% são residenciais, e 27%, comerciais.
O governo federal adotou, inicialmente, uma atitude negacionista (como na pandemia de Covid-19) ou medidas muito tímidas, que desmotivam ações concretas no enfrentamento da crise. Além disso, repetir que não há grandes problemas com o abastecimento de eletricidade e que o risco de racionamento não existe é contraproducente.
A retórica do governo é a de reduções voluntárias, um mau método de introduzir políticas públicas. Foram anunciados incentivos, a partir de setembro, para os consumidores optantes pelo mercado livre de energia que economizarem eletricidade no horário de pico, bem como para os do mercado regulado (R$ 50 por 100 kWh economizados, com redução mínima de 10%, com teto de 20%). E ainda foi decretada a redução de 10% a 20% de consumo de energia elétrica pela administração pública federal.
A médio prazo, algumas empresas com demanda maior de 500 kW podem optar por comprar energia no mercado livre. E, ainda, estes e todos os demais consumidores, residenciais e comerciais, podem passar a gerar a própria energia com sistemas solares (fotovoltaicos), o que exige investimentos —mas os libera dos impostos, do aumento das tarifas, das bandeiras tarifárias e, sobretudo, do risco de ficar sem energia.
Assim, no curto prazo, o governo precisa editar medidas obrigatórias de redução de consumo. A médio e longo prazos, estimular energia de fontes renováveis e introduzir no país as inéditas hidrelétricas reversíveis, nas quais a água, no período noturno (de carga menor), é bombeada de volta para os reservatórios, como é feito na Europa e nos Estados Unidos.
A longo prazo, mais transparência e planejamento —praticamente abandonados nos últimos anos— é o que o Brasil necessita.
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*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Cristiane Cortez é assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, em 21 de setembro de 2021.