Editorial
05/11/2018A primeira reforma de Bolsonaro, por José Pastore
Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP entende ser necessário ajustar a Previdência Social às transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho
"Com nova realidade nas relações de trabalho, Previdência Social terá de encontrar forma segura de financiamento para poder garantir proteções atreladas aos trabalhadores e não aos empregos", escreve
(Arte: TUTU)
Por José Pastore
O presidente eleito Jair Bolsonaro e seu futuro ministro Paulo Guedes manifestaram o desejo de ter a reforma da Previdência Social aprovada ainda este ano com alguns ajustes. Fala-se em mesclar o sistema distributivo com o de capitalização; adotar uma idade mínima mais baixa para os que vivem menos; aprovar regras específicas para os militares. Por enquanto, são especulações. Mas, se for para tornar a reforma duradoura e protetora dos trabalhadores, há de ajustar a Previdência Social às transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho.
Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287), o vínculo empregatício estável constitui a principal base para o financiamento do sistema previdenciário. Essa modalidade de emprego continuará prevalecendo por muito tempo no Brasil e no mundo. Mas, ao lado dela, crescem, a cada dia, as novas maneiras de trabalhar. É o caso dos autônomos, dos que trabalham por projeto que tem começo, meio e fim, dos que trabalham por demanda, dos que fazem trabalhos compartilhados, dos que trabalham na gig economy, que incluem trabalhos casuais realizados de forma descontinuada ou errática.
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Até pouco tempo atrás, tais modalidades de trabalho eram chamadas de atípicas. Mas, hoje, cerca de um terço da força de trabalho dos países avançados está nessa situação e vem aumentando também no Brasil em decorrência, principalmente, do uso das novas tecnologias — digitação, robotização, inteligência artificial, sistemas de impressão 3D, bigdata, biotecnologia e outras.
Na maioria dos casos, tais trabalhos são realizados sem vínculo empregatício, o que conspira contra o sistema convencional de financiamento da Previdência Social, que se baseia em contribuições estáveis e contínuas de empregados e empregadores. Relações sem vínculo empregatício têm características bastante diferentes do emprego convencional: são fluidas, voláteis e, por isso, não formam base fixa da qual se possa extrair contribuições para aposentadorias e pensões.
Entre os profissionais que trabalham sem vínculo empregatício, é comum a migração de uma modalidade para outra, num contínuo zigue-zague. Muitas vezes, eles passam de trabalhos atípicos para empregos convencionais e vice-versa. Outras, fazem vários trabalhos ao mesmo tempo e de forma variada. Nessa nova realidade, é claro, a Previdência Social terá de encontrar uma forma segura de financiamento para poder garantir as necessárias proteções aos trabalhadores. Tais proteções terão de ser atreladas às pessoas e não aos empregos. Por isso, elas precisam ter portabilidade para acompanhar as pessoas ao longo da vida em todas as situações de trabalho.
No mundo inteiro, os governantes estão buscando soluções para esse novo desafio. Na União Europeia, há países que obrigam os profissionais sem vínculo empregatício, em especial os autônomos, a se registrarem e recolherem contribuições ao sistema público de Previdência Social. Outros autorizam esses profissionais a optarem pela Previdência Social pública ou por programas privados de cobertura de riscos, em geral, em regime de capitalização. Mas todos têm de se registrar. Nos Estados Unidos, ninguém trabalha sem registro e sem recolhimento de contribuição ao Social Security.
O Brasil terá de enfrentar essa realidade. A PEC 287/2017 não contempla o que se faz necessário, o que, se não for mudada, criará graves problemas para o financiamento da Previdência Social. Ainda há tempo para introduzir um capítulo com as regras de recolhimento de contribuições previdenciárias para todas as modalidades de trabalho e não apenas para os que têm vínculo empregatício e seus empregadores. Mas, se isso complicar a tramitação da PEC, há de incluir o tema nas reformas de 2019.
*José Pastore é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense no dia 2 de novembro de 2018.