Legislação
08/07/2025A responsabilidade de formar cuidadores em um Brasil cada vez mais idoso
Durante seminário na FecomercioSP, especialistas ressaltam que cursos mal estruturados podem negligenciar dimensões essenciais do envelhecimento, tanto físicas quanto emocionais






Hoje, há no País uma busca crescente pela formação na área do Cuidado entre mulheres em transição de carreira ou que buscam requalificação. Muitas vezes, são chefes de família que dedicaram grande parte da vida à casa e aos filhos e estiveram afastadas do mercado de trabalho por um longo período. Elas veem o setor como uma oportunidade de reinserção profissional e de remuneração adequada. “Isso é muito relevante diante de um cenário de mulheres que cuidam de um Brasil em paulatino envelhecimento, mas que muitas vezes trabalham sem formação, sem direitos ou sem reconhecimento. Capacitar cuidadores tornou-se uma necessidade inadiável”, afirma Felipe Borges, docente da área de Saúde e Gerontologia no Senac São Paulo.
Durante o seminário para discutir a economia do cuidado realizado pelo Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) no fim de junho, Borges debateu os dilemas que cercam a qualificação e a estruturação de cursos voltados para o cuidado.
Segundo ele, a formação de um cuidador deve ir além de apenas transmitir conhecimento técnico, abrangendo também o desenvolvimento de habilidades humanas, sensibilidade e uma compreensão aprofundada da condição da pessoa idosa. “Capacitar cuidadores significa prepará-los para lidar com as múltiplas dimensões do envelhecimento humano. Isso vai além do tecnicismo; trata-se de respeitar a dignidade e a autonomia dos idosos, oferecendo um cuidado que integra aspectos físicos, emocionais e sociais”, afirmou.
Borges também ressaltou que, na sua experiência, há uma grande procura por cursos na área por parte de pessoas em situação de vulnerabilidade social, que não podem arcar com os custos de qualificação. Além disso, destacou que muitos desses indivíduos têm pouco conhecimento no uso de computadores, o que pode tornar a oferta de bolsas de estudo pela internet excludente. Isso acaba afastando um público que poderia ter a vida transformada pela qualificação. Independentemente dessa barreira, o Senac-SP oferece um consistente programa de bolsas nos cursos de cuidadores de idosos, contribuindo fortemente para a transformação dessa atividade.
Como preparar o cuidador
Apesar da crescente demanda por cuidadores, a qualificação ainda carece de uma estruturação que defina padrões mínimos de qualidade. Essa ausência permite a proliferação de cursos rápidos e superficiais, que não preparam adequadamente os profissionais.
Em outros termos, quando uma formação é reduzida a um vídeo assistido online ou a um fim de semana de aulas, por exemplo, perde-se a dimensão complexa e humana do cuidado, mas também se deixam de lado fatores como a proteção do idoso, a prevenção de danos físicos, entre outros riscos gerados por um cuidado mal-executado, enfatizou o professor.
“Estamos falando de cursos que deveriam ser presenciais, mas o mercado frequentemente oferece em formatos inadequados, como aos fins de semana, com carga horária mínima e apenas aulas em vídeo, resultando em certificados emitidos sem critérios rigorosos”, advertiu o especialista. “É fundamental que esse processo assegure métodos básicos e elementares para evitar discrepâncias”, acrescentou.
A regulamentação dos cursos ainda é vital para valorizar os cuidadores, uma vez que estabelece normas essenciais, como carga horária mínima, formação presencial, conteúdos práticos e respeito aos limites de atuação profissional.
Borges exemplificou: “Frequentemente, vemos profissionais, formados há décadas e atuando como cuidadores há bastante tempo, que aprendem técnicas importantes nas aulas, como transferir um idoso da cama para a cadeira sem lesões à própria coluna. A regulamentação é fundamental, não só em termos de mercado e direitos, mas a fim de garantir que a qualificação atenda a padrões mínimos de qualidade. Isso inclui ser presencial e ter uma carga horária adequada para abordar as diversas questões do envelhecimento — físicas, cognitivas, sociais e emocionais.”
Para Nivia Pires, gerente do Residencial Israelita Albert Einstein, além de oferecer bons cursos, as instituições de ensino precisam verificar se os profissionais que preparam chegam de fato ao mercado com o desejo de atuar na área ou se foram “empurrados” em razão de outras circunstâncias — e se serão capazes de oferecer um trabalho digno. Segundo ela, isso é importante para que “o cuidador tenha um papel tão relevante na saúde quanto uma equipe multiprofissional. Pela nossa experiência — seja a esposa, seja a filha, seja a cuidadora profissional —, essa pessoa atua como ‘garantidora’ de que o idoso não se fragilize frequentemente, que evite retornos constantes à internação”, complementou.
Já Nadya Araujo Guimarães, socióloga e professora na Universidade de São Paulo (USP), ponderou que “é imprescindível pensarmos também na regulamentação da qualificação, pois a grande maioria dos cuidadores não tem acesso a cursos de excelência. Muitos recorrem a formações oferecidas por paróquias locais ou em formato virtual — e essa credencial faz uma diferença enorme no mercado de trabalho”, concluiu.