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Economia

Apesar de bem-sucedida, Cúpula do G20 no Brasil pode ter marcado o último suspiro do multilateralismo

Reunião abordou temas cruciais como mudanças climáticas, taxação de super-ricos e combate à fome, mas expôs a fragilidade dos acordos globais diante de um cenário cada vez mais polarizado

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Apesar de bem-sucedida, Cúpula do G20 no Brasil pode ter marcado o último suspiro do multilateralismo
Decisões em organismos multilaterais frequentemente se traduzem em documentos amplos e de cooperação voluntária (Arte: TUTU)

Nos dias 18 e 19 de novembro, o Brasil recebeu a reunião de cúpula dos chefes de Estado do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo. O encontro gerou grande expectativa, especialmente diante da intensificação dos ataques da Rússia à Ucrânia, no fim de semana anterior, e das especulações de que a Argentina poderia não apoiar a declaração final devido às divergências sobre temas como mudanças climáticas e taxação de super-ricos. 

Apesar das tensões, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) tem uma avaliação positiva sobre o encontro, considerando o contexto geopolítico de conflitos armados e interesses divergentes. A diplomacia brasileira conseguiu articular um documento conjunto entre países com visões antagônicas — como Estados Unidos, China, Rússia e Argentina — sobre temas delicados, incluindo mudanças climáticas, reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e a formação de uma Aliança Global de Combate à Fome, uma bandeira central do governo brasileiro. 

No entanto, a cúpula também expôs a crise do multilateralismo, um fenômeno crescente na última década. O consenso alcançado foi visto como frágil, com validade limitada, especialmente diante da iminente posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Conhecido por sua visão crítica ao multilateralismo, seu negacionismo climático e oposição à taxação de grandes fortunas, Trump promete abalar os acordos internacionais. 

Um balanço diplomático 

Embora relevantes para promover temas de interesse global, decisões em organismos multilaterais frequentemente se traduzem em documentos amplos e de cooperação voluntária, mais voltados para intenções do que para ações concretas. Essa característica facilita a decisão dos países pela assinatura, mas também limita a eficácia dos compromissos firmados. 

A Argentina apresentou uma forte oposição aos temas abordados, que o governo do país classificou como parte de uma “agenda ideológica socialista”, devido à inclusão de tópicos como as metas de desenvolvimento sustentável, por exemplo. 

Havia preocupação de que o governo argentino não assinasse a declaração final da cúpula, cuja validade depende da aprovação de todos os países-membros, o que poderia comprometer o sucesso do encontro. Entre os temas abordados na declaração, estão a erradicação da fome, educação e saúde de qualidade, crescimento econômico, além de outros temas que encontraram resistência do presidente do país, especialmente quanto a questões como igualdade de gênero, ações climáticas e taxação de grandes fortunas. 

A adesão argentina só foi possível graças ao título do documento, que enfatizou a erradicação da pobreza e da fome — causas difíceis de serem contestadas publicamente pelo representante de uma nação. Contudo, Milei fez ressalvas significativas, especialmente ao financiamento dessas medidas. 

Controvérsias e incertezas 

Entre os pontos mais controversos está a proposta de taxar super-ricos para financiar programas contra a fome e a pobreza. Estima-se que uma taxa de 2% sobre grandes fortunas poderia gerar até 250 bilhões de dólares anuais. No entanto, o sucesso dessa medida dependeria da adesão global, já que os países que não implementassem a taxação poderiam atrair fortunas em fuga dos impostos. 

Outro tema delicado foi a reforma do Conselho de Segurança da ONU, uma demanda histórica do Brasil. Apesar do consenso sobre a necessidade de mudanças, o impasse recai sobre como implementá-las. O documento final foi propositalmente genérico, evitando divergências mais profundas. 

O encontro também evitou abordar diretamente questões sensíveis como a invasão da Ucrânia pela Rússia e o conflito entre israelenses e palestinos. Apenas reafirmou-se a necessidade de um cessar-fogo em Gaza. 

Mais um ponto controverso foi a questão da energia limpa. O documento final da reunião propôs triplicar a capacidade global de geração de energia renovável e duplicar a taxa média anual de melhorias na eficiência energética. No entanto, o governo argentino questionou a viabilidade dessas metas, argumentando que as ações necessárias para alcançá-las poderiam impor restrições significativas ao crescimento econômico dos países mais pobres. 

Um futuro de incertezas 

O futuro das posições firmadas no G20 está ameaçado pela postura isolacionista dos Estados Unidos sob Donald Trump, que já demonstrou alinhamento com Javier Milei em pontos como oposição à taxação de super-ricos. A visão “América Primeiro” de Trump representa um golpe no multilateralismo e pode desencadear uma reação em cadeia, com outros países adotando políticas protecionistas. 

O Brasil desempenhou um papel digno na mediação, mas sua influência limitada no cenário global, somada a essa nova conjuntura internacional, restringiu o alcance dos resultados. A cúpula conseguiu ir “até aonde deu”, como muitos analistas pontuaram. 

Já se antecipa um clima de confronto na próxima reunião, prevista para ocorrer na África do Sul. Milei e Trump podem desafiar a premissa de unanimidade nos organismos multilaterais, desestruturando os regulamentos atuais. O que foi acordado no Brasil parece ter um prazo de validade curto. 

Assim, a cúpula do G20 no Brasil pode ter marcado o último suspiro do multilateralismo, sinalizando um mundo cada vez mais fragmentado e individualista.

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