Economia
10/09/2024Apostas online: um desafio social e econômico para as famílias
Estudo da FecomercioSP revela que 59% dos paulistanos utilizam bets como diversão, atraídos pela conveniência das plataformas digitais
* Por Kelly Carvalho
Cerca de um terço dos paulistanos que utilizam as plataformas de apostas online encara esses jogos como uma forma de investimento ou meio de alavancar a renda de maneira imediata, aponta levantamento da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Esse dado é preocupante e requer um olhar atento do Poder Público e da sociedade civil organizada. A crença de que as apostas podem incrementar rapidamente os rendimentos ignora o fato de que a maioria dos apostadores mais perde do que ganha, como o estudo revela. Essa situação se agrava diante da proliferação da publicidade de apostas, que disfarça os riscos da falsa promessa de ganhos imediatos.
O levantamento mostra que 17% dos entrevistados realizam algum tipo de aposta eletrônica, um porcentual comparável ao observado em economias desenvolvidas, como os Estados Unidos. Esse dado sugere que o endividamento de algumas pessoas não está necessariamente relacionado às plataformas regulamentadas, mas a uma transição entre diferentes formas de jogos de azar. Muitos que, antes, participavam de apostas ilegais migraram para esses sites, levando consigo comportamentos tóxicos já existentes. O fácil acesso às apostas eletrônicas amplifica os riscos financeiros para todos os perfis de jogadores, experientes ou novatos. Na busca por recuperar perdas, muitos acabam se endividando ainda mais, desviando recursos que deveriam ser destinados a necessidades essenciais do orçamento familiar, como o pagamento de contas. Além disso, é um equívoco considerar as apostas como um investimento, já que existem alternativas no mercado financeiro oferecidas por instituições consolidadas, que seguem regras claras e proporcionam mais segurança para a aplicação de recursos.
O estudo da FecomercioSP ainda revela que 59% dos entrevistados na capital paulista utilizam esses jogos como forma de diversão e distração, atraídos pela conveniência das plataformas digitais. No entanto, esse comportamento pode trazer sérias consequências para setores importantes da economia local e ao bem-estar social, como lazer, alimentação e turismo — sobretudo quando recursos que poderiam ser destinados a atividades recreativas em conjunto, como cinema, shows, viagens e restaurantes, são redirecionados para essa prática. A tendência de priorizar as apostas eletrônicas em detrimento de outras formas de divertimento também é danosa para a qualidade de vida dos indivíduos, que acabam renunciando a experiências enriquecedoras por um hábito potencialmente nocivo. É fundamental que as redes sociais e as plataformas de apostas desenvolvam mecanismos para promover a conscientização e o uso responsável, além de orientar as pessoas de que o hábito de apostar online não pode ser equiparado às atividades de lazer tradicionais, que desempenham funções importantes para as saúdes física e mental.
O cenário requer um olhar atento para o que virá, agora que os jogos estão se consolidando como uma opção atrativa de consumo. Neste momento, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda analisa mais de uma centena de pedidos de novos entrantes para atuar nesse mercado, o que indica oportunidades de ganhos expressivos para as empresas, mas ainda não mostra a capacidade dessa modalidade específica de gerar empregos e distribuir renda. Conforme aponta um relatório da XP Investimentos, em 2023, as apostas online nessas plataformas movimentaram em torno de R$ 120 bilhões no País, ou seja, 1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Essas despesas já somam, pelo menos, 20% do orçamento discricionário das famílias de baixa renda. O impacto disso sobre a poupança nacional não deve ser negligenciado.
A Lei 14.790/23, que regulamenta as apostas de quotas fixas, certamente dará mais legalidade e transparência a sites que se ajustarem às novas regras exigidas pelo governo. Contudo, embora a regulamentação possa criar um ambiente mais controlado em 2025, não eliminará o risco de jogo excessivo — e a facilidade de acesso a essas plataformas pode até agravar o problema. As regulamentações subsequentes precisam promover a segurança jurídica para todos os envolvidos, ao passo que os recursos provenientes da arrecadação devem ser revertidos para áreas prioritárias, como Educação, Saúde e Segurança.
Obviamente, o País não deve barrar as transformações que ocorrem na atividade econômica por meio da digitalização, mas, ao mesmo tempo, não pode permitir que todo o esforço dos últimos anos para reduzir as práticas ilegais, o crime organizado e o endividamento da população sejam em vão.
A FecomercioSP continuará monitorando atentamente o funcionamento desse mercado, colaborando com as autoridades para que sejam implementadas políticas públicas eficazes, voltadas à fiscalização das apostas, além de ajudar na elaboração de programas que orientem e protejam os consumidores.
*Kelly Carvalho é assessora técnica da FecomercioSP