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Editorial

As universidades paulistas e a autonomia

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As universidades paulistas e a autonomia

A USP tem, no sistema universitário brasileiro, o mesmo papel que as "grandes escolas" criadas na França após a Revolução de 1789, como a Escola Normal Superior e a Escola Politécnica, que formam até hoje os principais quadros técnicos, gerenciais e intelectuais que dirigem aquele país. Existem mais de cem universidades federais no Brasil, mas cerca de 23% da produção científica nacional se origina na USP. Crises nessa universidade são, portanto, de interesse de toda a sociedade.

A crise atual, decorrente de descontrole financeiro na USP, na Unicamp e na Unesp, só pode ser entendida analisando o que ocorreu em 1988, quando a autonomia de gestão financeira e administrativa foi adotada no Estado de São Paulo. Até então o orçamento das universidades era fixado no orçamento-geral do Estado de uma forma que variava com os ventos políticos do momento. Governadores mais esclarecidos, como Carvalho Pinto, entenderam o papel que elas tinham no desenvolvimento paulista, enquanto outros, como Jânio Quadros, simplesmente as ignoravam.

As carreiras administrativas e técnicas das universidades eram sujeitas, na época, às mesmas regras das carreiras do Estado e qualquer modificação passava por órgãos externos a elas. Contratações, nomeações e viagens internacionais tinham de ser aprovadas pelo próprio governador. Como os orçamentos fixados no início do ano eram insuficientes - sobretudo por causa da inflação vigente -, era necessário negociar com o governo, o tempo todo, recursos adicionais (suplementações), cujo sucesso dependia de relações pessoais e políticas. A autonomia de gestão era mera ilusão.

Os reitores da USP, da Unicamp e da Unesp conseguiram em 1988 que o orçamento das universidades fosse fixado como uma parcela fixa do ICMS e a gestão desses recursos seria feita, daí em diante, pelos próprios reitores. As universidades tornaram-se, então, responsáveis pelo uso dos recursos públicos, o que corresponde a um crédito de confiança, da parte do governo, de que elas o fariam com responsabilidade.

Havia na época um entendimento implícito de que os gastos com pessoal não ultrapassariam 80% dos recursos totais. Foi o que ocorreu com sucesso durante cerca de 20 anos, com pequenos ajustes e correções. Sucede que a partir de 2009, no caso da USP, um conjunto de bondades e liberalidades salariais elevou esses gastos, comprometendo mais de 100% do orçamento. Os salários do pessoal técnico e administrativo foram aumentados em 73% de 2009 a 2013, em média, índice muito superior à inflação. Como isso pôde acontecer é objeto de uma auditoria criada pelo atual reitor.

Como se pode esperar que uma universidade funcione sem reservar ao menos uma parcela de seus recursos para a manutenção e o apoio a pesquisas?

A USP não tem como dar aumento algum até que reequilibre suas finanças. O reitor Marco Antonio Zago explicou bem o problema logo após tomar posse, o que não impediu que algumas unidades entrassem parcialmente em greve, estimuladas por interesses corporativistas e políticos de alguns grupos.

Greves têm sido comuns nas universidades públicas brasileiras, às vezes com reivindicações esdrúxulas como protesto contra as "políticas de fundo neoliberal sempre em curso no Brasil", entre outras. Elas podem caber muito bem no ideário de partidos políticos, mas o que têm que ver com a irresponsabilidade no emprego dos recursos públicos?

Boa parte das unidades da USP e muitos docentes não participam desses movimentos grevistas porque reconhecem que prejudicados são os seus alunos e a sociedade em geral. Vandalismo no patrimônio público e na pesquisa, como ocorreu no ano passado, lembra a queima de ônibus em linhas da periferia como protesto contra o mau serviço, que só se torna pior quando se destroem esses coletivos. Piquetes que levam ao fechamento de "bandejões" não prejudicam os estudantes mais ricos, mas justamente os mais pobres.

A universidade não tem patrões e proletariado oprimido, como imaginam alguns. Ela é autônoma, mas tem de viver dentro dos seus recursos. Esse é o problema do momento. Como reequilibrar o orçamento da USP sem que ela perca a autonomia de gestão financeira e administrativa?

Um problema de gestão - que não ocorreu durante 20 anos - está sendo usado agora para desqualificar a USP e deslegitimar a universidade pública no País em geral, fazendo até surgirem propostas de extinção do ensino gratuito.

O que cabe à direção da universidade, no momento, é expor com clareza a situação financeira real - o que o reitor Zago já fez - e quais as alternativas realistas para resolvê-la. Há outras opções para evitar aumento zero nos salários? Demissões? Suspensão de atividades essenciais? Férias coletivas? Os docentes e funcionários que preferem o caminho da greve devem também propor alternativas.

Uma opção é voltar ao governo e pedir aumento da fração do orçamento estadual alocado às universidades. Essa solução nos levaria de volta à situação anterior a 1988 e é pouco provável que o governo atenda a pedidos de maior dotação que não sejam destinados à expansão das vagas, excluindo aumento de salários.

O mínimo que as universidades poderiam fazer para evitar isso é fixar um porcentual destinado a salários inferior a 100% antes de partirem para novas reivindicações. E, finalmente, os diretores das unidades realmente comprometidas com a qualidade de ensino e pesquisa da USP deveriam manifestar-se em defesa da instituição.

José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.

Artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 16/06/14, pág. A02. 

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