Negócios
11/11/2024Banco Mundial apresenta resultados preliminares de relatório anual sobre empreendedorismo feminino
Em encontro na FecomercioSP, empresárias e pesquisadoras da entidade compartilharam dados que contribuíram para a 10ª edição da pesquisa realizada em 190 países
“A maior participação das mulheres na política e na economia é um indicador diretamente ligado à maior prosperidade dos países”, demonstrou Daniela Behr, uma das pesquisadoras do Banco Mundial que vieram ao Brasil apresentar dados preliminares da décima edição do Mulheres, Empresas e o Direito. Elaborado anualmente pela entidade, o relatório monitora o desempenho de 190 economias quanto à presença feminina nos seus respectivos mercados.
A equipe do Banco Mundial realizou, no último dia 6, reunião na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) com o objetivo de coletar dados para aprofundar o retrato do Brasil no relatório. Na ocasião, a Federação convidou empreendedoras para apresentar à agência financeira os desafios que encontram no dia a dia como mulheres de negócios, abordando tanto o arcabouço legal quanto a aplicação prática das leis.
“Infelizmente, entre os mecanismos de proteção e a igualdade de gênero que estão previstos em lei e o acesso efetivo a esses programas existe uma grande lacuna”, justificou Héloïse Groussard, pesquisadora do Banco Mundial. Essa diferença entre a teoria e a prática pôde ser confirmada pelos exemplos pessoais compartilhados por mulheres de negócios dos mais diversos setores.
Apesar de toda a previsão legal de direito ao patrimônio, Mariella del Gaiso, da imobiliária Ella Casas, deixou um casamento de mais de duas décadas com duas filhas e nenhum acesso aos bens constituídos. “Sou uma mulher de mais de 50 anos, formada em Direito, a quem a legislação não acolhe. Quando, por sobrevivência, precisei de ajuda para me reerguer financeiramente, só fui encontrá-la em uma startup”, relatou.
Da favela à Faria Lima
O acesso ao crédito foi mencionado por praticamente todas as participantes como um dos maiores entraves ao empreendedorismo feminino, tanto que várias das empresárias presentes no evento têm em comum o fato de contarem, de forma majoritária ou exclusiva, com investidoras mulheres. Especializada em treinamento corporativo voltado para regulação e compliance, a TothBe foi fundada apenas com recursos próprios das duas sócias e permanece sem investimento externo, apesar de crescer de 20% a 30% ao ano.
“É muito comum sentar em uma mesa grande de reuniões e não ser ouvida por ser a única mulher”, comentou Kellen Petreche, do Instituto Edutech21, startup dedicada ao ensino de matemática e pensamento computacional. “O ambiente de tomada de investimento é hostil e visa à manipulação feminina”, resumiu Luciana Navarro, da Care Natural Beauty, especializada em cosméticos de origem natural. “Empreender é ser um agente de mudança desse processo”, completou.
“A tendência a trabalhar com produtos físicos e voltados para mulheres é parte da dificuldade de acesso a crédito em relação às startups masculinas, que tendem mais ao digital”, afirmou Larissa Mota, da perfumaria Amyi. “Minha empresa, que se destina a um público que é 50% do mercado consumidor, alcançou todas as metas de investimento, provando-se bem-sucedida em todos os critérios estabelecidos. Mas todos os investidores são mulheres, porque os homens simplesmente não têm interesse em produto exclusivo para esse gênero”, atestou Marina Ratton, da Feel Lube, voltada para a saúde íntima.
A mera comprovação desse problema onipresente por meio de indicadores oficiais já constitui uma dificuldade em si. “Há anos nós tentamos, com o Banco Central, obter os dados de acesso a crédito separados por gênero, para tentar entender por que as mulheres são menos aprovadas para receber capital”, relatou Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, uma das organizações pioneiras nesse suporte. Segundo ela, esse é um obstáculo que todos os perfis de empreendedoras têm em comum e não se restringe ao mais frequente deles: as mulheres negras e pobres, moradoras de comunidade.
Economia do cuidado
Ainda de acordo com Ana Fontes, 85% da chamada economia do cuidado é responsabilidade feminina, o que compreende a atenção dispensada a crianças, doentes e idosos dentro de uma família. O Cuidado Infantil, inclusive, é um dos dois indicadores novos examinados pelo relatório anual do Banco Mundial, incluído nesta última edição, ao lado da Segurança — e praticamente todos os 190 países pesquisados tiveram desempenho ruim em ambos.
Justamente para conseguir cuidar do marido que adoeceu, a enfermeira oncológica Susana Nunes deixou o hospital em que trabalhava e transformou o hobby em negócio. “A aromaterapia era o meu refúgio de um cotidiano difícil e acabou se transformando no meu ganha-pão. No entanto, de uma certa forma, eu continuo no setor de cuidados, unindo ciência e afeto”, resumiu a fundadora da Susana Nunes Aromas.
De acordo com as pesquisadoras da agência financeira, no mundo todo, as mulheres gastam, em média, 2,4 horas a mais por dia em trabalhos não remunerados, predominantemente ligados ao cuidado com as crianças. Expandir o acesso ao cuidado infantil e estabelecer padrões de qualidade para esses serviços tendem a aumentar de forma considerável a participação feminina no mercado de trabalho.
“A falta de políticas públicas no sentido de garantir que os filhos estejam recebendo a atenção adequada e em segurança impacta diretamente as empresas”, alertou Emília Carvalho, da Cookie Pet. Ela, que procura empregar mulheres na sua empresa de alimentação natural para animais domésticos, tem sofrido com a ausência de funcionárias que, por sua vez, estão sujeitas à escassez de vagas e fragilidade do serviço das creches.
Por outro lado, muitas mulheres tornam-se empreendedoras com a chegada da maternidade, seja em busca da relativa flexibilidade proporcionada pelo próprio negócio, seja por incentivo dos filhos. Foi o caso de Lillian Yamauchi, que abriu uma loja de brinquedos inclusivos, a Mimo Para Todos, a pedido da filha, que queria estar junto da mãe durante o expediente. “Foi nas organizações de fomento ao empreendedorismo feminino que encontrei o apoio para suportar os muitos obstáculos que foram surgindo”, comemorou ela.
A chegada do filho também foi decisiva para que Thaís Vasconcellos, da incubadora B2Mammy, então advogada corporativa, se voltasse para o mundo das mulheres de negócios: “Como anjo-investidor, o meu foco não está neste ou aquele tipo de produto ou serviço, mas na mulher em si, fornecendo tanto o capital para as que empreendem como a capacitação para as que optam por seguir a carreira executiva”.
Empreendendo é que se aprende
Outro dos aspectos presente em quase todos os relatos é o de que poucas se preparam antes de empreender e vão aprendendo conforme o negócio vai crescendo. Daí a importância das iniciativas de fomento, da defesa de uma legislação que promova equidade e da implementação de políticas públicas que viabilizem acesso aos dispositivos legais e, inclusive, estudos que embasem e orientem todas essas ações.
O evento de apresentação do relatório anual do Banco Mundial aconteceu em tempo oportuno — próximo ao dia 19 de novembro, em que se comemora o Dia Internacional do Empreendedorismo Feminino. Instituída pela ONU em 2014, a data tem por objetivo incentivar e apoiar a entrada das mulheres no universo corporativo.
“O machismo ainda é muito enraizado, e a realidade continua muito distante do que preconiza a lei”, ressaltou Gisela Lopes, presidente do Conselho de Comércio Varejista da FecomercioSP. “Os conselhos das empresas ainda carecem de maior representatividade feminina, bem como a própria política precisa ter mais espaços ocupados por mulheres. E isso vai acontecer porque a mulher cai e levanta quantas vezes for necessário, já que traz essa garra dentro de si”, finalizou.