Editorial
26/09/2024‘Bets’, pobreza e desigualdade
Malefícios econômicos dos cassinos online atingem especialmente os mais jovens e filhos das famílias de baixa renda
Os estragos causados pelas “bets” na vida das pessoas são devastadores, como mostraram a série de reportagens deste jornal, chamada Bets - uma aposta de risco, e o editorial Descobriram que as ‘bets’ são um problema (Estadão, 23/9, A3). A literatura científica sobre os dados psicológicos e sociais dos jogos de azar é farta e antiga. Mais recentemente, os estudos vêm focando também o seu impacto econômico. O desequilíbrio nas finanças pessoais determina a queda de produtividade dos jogadores, aumenta o absenteísmo, agrava o desemprego e dispara as despesas do Estado para tratar esse vício. Além disso, há uma expressiva redução do poder de compra dos jogadores e seus familiares (Oregon Health Authority, Impacts ofproblem gambling on the economy, 2020).
Vários desses problemas já são evidentes no Brasil. Os dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo mostram que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes em 2023 em decorrência de perdas com apostas nestes cassinos online. São pessoas que jogam e usam os cartões de crédito de forma compulsiva e sem controle - como é próprio em todo o tipo de jogo de azar. Os números são espantosos. Em apenas um ano, os brasileiros apostaram cerca de R$ 100 bilhões no Jogo do Tigrinho e outros. Isso tem abalado os orçamentos das famílias e reduzido sua capacidade de consumir, o que impacta negativamente no crescimento econômico e desenvolvimento do País. Para a Febraban, a pandemia das ‘bets” é uma verdadeira bomba-relógio para os orçamentos de milhões de famílias, pois, como dizem os especialistas, esse tipo de jogo causa dependência, como fazem o álcool, o tabaco e a cocaína (Tony Leino e col., The relationship between substance use disorder and gambling disorder, 2023).
Os malefícios econômicos dos cassinos online atingem especialmente os mais jovens e filhos das famílias de baixa renda, o que agrava a pobreza e acentua a desigualdade. Nas reportagens do Estadão há casos de apostadores que perdem nas “bets” o sustento dos seus filhos. Muito triste.
A Portaria nº 1.475/2024 recém-baixada pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, busca regular as “bets”. Isso é pouco. Os estragos por elas causados vão muito além do seu eventual potencial arrecadatório. Não seria o caso de tratar essa atividade como equivalente ao comércio de entorpecentes?
* José Pastore é professor da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 26 de setembro de 2024.