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Sustentabilidade

Chuvas de verão: a tragédia anunciada

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Chuvas de verão: a tragédia anunciada

O que ocorre com as chuvas de verão no Brasil todos os anos lembra o famoso romance de Gabriel Garcia Márquez, Crônica de Uma Morte Anunciada. Sabemos que as chuvas ocorrerão e causarão inundações, desabamentos e mortes, mas não vamos conseguir evitá-las, como no romance.

É bem verdade que eventos climáticos são difíceis de prever com exatidão: os locais e as ocasiões em que eles ocorrem mudam o tempo todo. Neste ano, o estado que mais sofreu até o momento foi o Espírito Santo. Já em anos anteriores, os temporais prejudicaram regiões como Petrópolis e Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e o Vale do Itajaí, em Santa Catarina. A cidade de São Paulo, embora ainda não tenha registrado ocorrências graves no período, já foi palco de uma série de transtornos resultados das atuais chuvas de verão, como alagamentos em diversos bairros, quedas de energia, quilômetros de congestionamento, pane nos sistemas de metrô e trem, fechamento temporário do aeroporto de Congonhas, atrasos e cancelamento de voos. 

Com o objetivo de minimizar esses problemas, que se tornaram corriqueiros na capital nesta época do ano, a prefeitura criou no fim de 2011 o Programa de Redução de Alagamentos (PRA). A ação engloba execução de 79 obras em áreas de alagamento em 21 subprefeituras, licitadas no valor de R$ 132,8 milhões. Entretanto, a maior parte das obras foi iniciada só em agosto de 2013 e ainda não ficou pronta. Mais uma vez, portanto, a cidade está desprotegida no verão de fortes chuvas. 

Executar obras públicas que atenuem as consequências de chuvas de maior intensidade é imprescindível para evitar catástrofes. Enquanto elas não saem do papel, medidas preventivas podem ser tomadas, como desenvolver ações para que a população não ocupe áreas de risco, e criar um sistema de alerta que avise com antecedência os locais onde precipitações e alagamentos ocorrerão. 

Alguns progressos foram feitos nesta área pela prefeitura, mas há ainda muito a executar. No passado foi dada grande ênfase à drenagem, para que a água da chuva escoasse rapidamente. Sucede que essas obras sempre foram pontuais, selecionadas ao sabor das pressões de grupos politicamente influentes dos bairros. Como resultado, na prática, as inundações eram transferidas de um lugar para outro. Hoje, a prefeitura trabalha tanto com um aumento da capacidade de escoamento quanto com a ampliação da capacidade de reserva de água, usando "piscinões" - que, em alguns, casos têm obtido grande sucesso. 

Um exemplo é a obra prevista para a região do Morumbi, entre o rio Pinheiros e a Berrini. O córrego Cordeiro está canalizado há anos, mas possui vazão insuficiente, gerando inundação, principalmente na Avenida Roque Petroni Júnior. O conjunto de obras licitadas compõe seis piscinões de médio porte, de 50 a 60 mil metros cúbicos, com bombeamento. Esses reservatórios vão abater as cheias e dar uma condição de segurança para essa região. 

Além disso, há trabalhos em constante aperfeiçoamento como o de mapeamento de áreas inundáveis, em parceria com o Centro Tecnológico de Hidráulica (CTH) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). O foco dado ao projeto se restringe aos atuais pontos de alagamento, mas não há um mapa para que seja desenvolvido um planejamento adequado. 

Há, portanto, duas linhas de frente que precisam ser combatidas. A primeira é identificar essas áreas para auxiliar nas tarefas de planejamento da cidade, guiar o plano diretor do município e desenvolver estratégias de ocupação dessas regiões. 

A segunda é conseguir, com a ajuda da meteorologia, prever áreas inundáveis com precisão e em tempo real. O governo municipal já tem desenvolvido iniciativas nessa frente. Em vez de simplesmente obter um relato dos pontos que podem ser inundados, será possível ter a extensão das áreas críticas pela modelagem da bacia, o que permitirá priorizar os investimentos em obras. Mesmo com alguns avanços a caminho, o crescimento da precipitação de chuvas - resultante das mudanças de clima provocadas pelo aquecimento global - demanda medidas concretas adicionais urgentes para garantir a segurança dos paulistanos. 

Ainda que estejamos atravessando um período prolongado de estiagem em pleno verão, com iminentes problemas de escassez de água, é importante voltarmos a atenção para iniciativas que serão essenciais para minimizar os danos, quando as chuvas retornarem. Isso porque tal qual no romance de Gabriel Garcia Márquez, evitar que elas ocorram não está ao nosso alcance e nem ao menos temos a previsão de suas proporções.
 

José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.

Artigo publicado no jornal DCI em 12/02/2014, pág. C06.

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