Editorial
05/12/2016Crise econômica alterou o entusiasmo dos brasileiros em relação a preferências políticas, diz Paulo Delgado
Segundo o copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, o Brasil vive uma autoflagelação do povo provocada pela elite da política
Paulo Delgado afirma que os cidadãos não devem aceitar a posição de "prisioneiro do poder das circunstâncias"
(PixAbay)
Paulo Delgado
A crise tirou das pessoas o arrebatamento em relação a qualquer preferência política, por causa de uma lista fornecida por um balcão de negócios. Mas, mantida a falta de clarividência e tantos descaminhos, a lista que amedronta é a dos normais. A vaidade na elite do Estado parece estar sob a influência do perverso. O hiperconsumo do deslumbrado líder de esquerda devastou os progressistas. O Brasil vive uma autoflagelação do povo provocada pela elite da política. É preciso, definitivamente, encerrar o tempo em que fomos governados pelo instinto.
A ambição está moendo a imaginação moral dos três poderes e forjando complôs incontroláveis. Cuidado com o pedante da desordem, o furioso teatral, o civil desinformado, o parlamentar tosco, o toga esnobe, o fardado inglório de sempre. Não aceite ser prisioneiro do poder das circunstâncias.
Se você se contentar em ser contrastante de boa-fé pode ser o personagem de que a sociedade precisa.
Não há palavra confiável para examinar só o confronto. 0 projeto, ainda indefinido, para quem quiser vestir outra indumentária, irrita os frequentadores assíduos do estabelecimento, respeitosamente chamado de “lugar de encontro dos donos do Estado". Quem quer se manter à tona são os cegos à direita, e os sem fé à esquerda. São muitas igrejas ameaçadas. O métier de todos piorou.
E como o que escrevo parece imprecisão sentimental darei leves pistas do contexto em que diferentes destinos se parecem.
Como todo leitor é inquieto, mas não pretendo simplificar o meu relato, sugiro que use uma luneta, para ampliar o que escreve um homem míope.
Vamos lá: junto com o dinheiro que boiou na Baía de Guanabara busquei em Foucault a inspiração para desenterrar a história da ciência política. Ele viu como que em todos os tempos são trágicas as consequências da fúria da competição, do narcisismo doentio e do combate de idéias e pessoas. Então, se apaixonou pelo encanto exótico de um sistema de pensamento mágico que leu no "Empório celestial de conhecimentos benévolos" citado em conto de Jorge Luiz Borges. Ali, o genial argentino, descrevendo a limitação dos sistemas numéricos, esbarra na ambiguidade e deficiência da classificação.
Que piorou, notei, quando as folhas chegaram borradas à superfície da água. Em suas páginas consta que os animais se dividem em
"a) pragas da agricultura;
b) de rodeio, cuja meta é apenas permanecer em cima do arreio;
c) de farda, que põe terno na ninhada para se aposentar candidato a presidente;
d) amarelo, diplomata fadigado de cobiça e cupidez;
e) cupins, indiferentes à saúde da indústria;
f) que odeiam o bom comercio;
g) amestrados;
h) iletrados que fazem leis em benefício próprio;
i) domesticados;
j) caçador, que não admite ser caçado;
k) de toga, imutavelmente vaidoso, circunstancialmente modesto;
l) religioso, que não revela a verdade;
m) sanguíneo, que de longe parece doador, mas é receptor."
É uma lista infindável de incongruências. Alucinação? Nada. Vozes da elite em ruína com todas as qualidades para pôr o país a perder.
*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal O Globo no dia 5 de dezembro de 2016.
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