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Editorial

Dois anos para transformar a União Europeia

Para responder ao ‘tsunami’ criado por Washington, o bloco europeu terá de se reinventar

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Dois anos para transformar a União Europeia
Se na economia e no comércio a UE tem força, o mesmo não se passa na política externa e na defesa. Institucionalmente, Bruxelas só pode tomar decisões sem a oposição de nenhum dos 27 Estados-membros (Arte: TUTU)

Por Bernardo Ivo Cruz*

Desde a posse de Donald Trump, vivemos um tsunami de mudanças e o mundo aproxima-se de um novo modelo. Nele, Estados Unidos e China serão potências dominantes e o restante dos países terá de navegar entre as ondas criadas por um e outro. 

A China constrói pontes com um grupo crescente de parceiros, como os membros dos Brics — especialmente a Rússia — e nações que recebem o apoio de Pequim para se desenvolverem. Enquanto isso, as últimas três semanas parecem mostrar que os Estados Unidos optaram por queimar pontes com seus aliados tradicionais ao abandonar, ou tornar inúteis, organizações internacionais e erguer muros físicos, tarifários e políticos para se isolarem do resto do mundo. 

Dentre as várias vítimas potenciais das políticas de Washington, a União Europeia (UE) está na primeira linha. O bloco foi idealizado num modelo de integrações econômica e comercial que depende de um sistema global baseado na diplomacia, no direito internacional e nas organizações multilaterais. Assim, a sua defesa é construída sobre um sistema institucional que procura acomodar a dupla natureza supranacional, mas composta por Estados soberanos. Nada na UE parece ter sido pensado para gerir o fim do sistema que nasceu no fim da Segunda Guerra e que nos governou coletivamente nos últimos 80 anos. Assim, a pergunta que surge é: e agora, União Europeia? 

Para tentarmos respondê-la, temos que considerar as várias dimensões por onde a UE se move — econômica e comercial; política externa e defesa; e presença global. Ao contrário de outros tabuleiros de xadrez, a UE é ator relevante nas esferas econômica e comercial, em que dispõe de argumentos, instrumentos e capacidade para influenciar os acontecimentos do mundo. E enquanto os Estados Unidos se apressam em minar a economia mundial com a imposição de tarifas a amigos e adversários, a UE conta com um mercado interno de 450 milhões de consumidores e acordos comerciais em vigor — ou em perspectivas de se consolidar — com as maiores economias do mundo. Isto é, o bloco tem a possibilidade de criar uma larguíssima área de comércio livre e regulado de alcance global, incluindo novos instrumentos que, cuidando dos interesses europeus, possa estabelecer uma nova relação com a China. 

Se na economia e no comércio a UE tem força, o mesmo não se passa na política externa e na defesa. Institucionalmente, Bruxelas só pode tomar decisões sem a oposição de nenhum dos 27 Estados-membros. A abstenção conta como uma declaração de desagrado, mas não trava a capacidade de se seguir em frente. Foi o que aconteceu recentemente, quando a Hungria foi persuadida a permitir que a UE se posicionasse a favor de mais auxílio à Ucrânia. Sem prejuízo para a reconhecida capacidade do presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, em construir pontes onde estas pareçam impossíveis, a verdade é que a UE poderá ter que se contentar com um mínimo denominador comum justamente em uma época na qual necessitamos de decisões corajosas e ousadas. 

Na defesa, o bloco sabe que já não pode usufruir da proteção norte-americana. Por isso, a Comissão Europeia anunciou um pacote de financiamento para construir uma capacidade de defesa autônoma. Enquanto isso, a França — que volta a contar com a Alemanha em um eixo estratégico e tem se mostrado central para o avanço da UE — propôs o uso da própria capacidade de dissuasão nuclear para proteger a Europa. 

Finalmente, olhando para a presença da UE no mundo, seria importante estabelecer um mecanismo de cooperação aprofundada com as várias democracias que, certamente, estão tão preocupadas quanto nós com os acontecimento recentes. Bruxelas possui instrumentos e políticas para isso. Países como Reino Unido, Canadá, Brasil, África do Sul, Índia, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia, entre outros, são parceiros naturais com quem poderemos trabalhar para salvaguardar o modelo multilateral. Ao mesmo tempo, é preciso criar mecanismos para que as democracias dos países em desenvolvimento tenham voz e papéis de liderança a desempenhar na gestão global.  

Trata-se de um catálogo de políticas que força uma maior integração da UE para convencer e ultrapassar (ou mesmo isolar) quem não esteja disponível para se juntar à vontade da maioria. Não temos muito tempo. Para ser mais preciso, temos até 2027, quando a França terá eleições presidenciais e os Estados Unidos, um novo Congresso. Se não preparamos a UE para lidar com o novo mundo que se apresenta,ao passo que temos as condições internas e o incentivo externo para decisões árduas, dificilmente seremos capazes de fazer isso depois.

* Bernardo Ivo Cruz é professor convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (UCP), na NOVA School of Law da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e ex-secretário de Estado da Internacionalização de Portugal.

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