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Editorial

Duas rodas e um clique

Invenção paulistana para driblar o trânsito ainda nos anos 1970, com a ajuda dos apps os motoboys agora levam de tudo, de hamburguer a pessoas

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Duas rodas e um clique
O motoboy tal como conhecemos é uma inovação paulistana, surgida na virada entre as décadas de 1970 e 1980 (Arte: TUTU)

Se você mora em uma grande cidade brasileira, não é exagero dizer que não vive sem o motoboy. Muitas vezes relegados ao subemprego, a jornadas abusivas e a remunerações pífias, esses profissionais driblam o trânsito e garantem que documentos, comida, remédios e uma série de outros produtos cheguem às mãos dos brasileiros.

Segundo dados do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP), são 650 mil motoboys em todo o Estado — 320 mil deles apenas na capital paulista. É impossível sair às ruas e não ver esses trabalhadores em ação, geralmente em motos de baixa cilindrada, com uma bag quadrada nas costas e um destemor que dribla carros, ônibus e, principalmente, congestionamentos.

“As entregas feitas pelos motoboys não são um problema, mas uma solução”, afirma o engenheiro de transportes Creso de Franco Peixoto, professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O problema está na falta de fiscalização e de uma cultura que entenda o risco do excesso de velocidade e dos movimentos indevidos”, ressalta. O professor observa que, no trânsito, o chamado jeitinho brasileiro que o motoboy pratica acaba por ser um fator a mais de risco — “alto, excessivo e indevido em muitas viagens”.

De SP para o mundo

Embora a ideia tenha se disseminado por metrópoles de todo o mundo, o motoboy tal como conhecemos é uma inovação paulistana, surgida na virada entre as décadas de 1970 e 1980. Até a palavra, embora formada por vocábulos em inglês, é invenção nacional. No livro Inglês Made in Brasil (Campus-Elsevier, 2003), o linguista norte-americano Ron Martinez conta que o termo, “100% brasileiro”, é uma adaptação da expressão (também brasileira) “office boy”.

A confusão linguística remonta às raízes do termo. Se em terras brasileiras convencionou-se chamar o contínuo de office boy — e não “delivery boy” ou “messenger boy”, como pontua Martinez —, a versão motorizada sobre duas rodas ganhou o prefixo “moto”. O motoboy surgiu no contexto dos congestionamentos cada vez maiores e intransponíveis das grandes cidades, em um tempo que havia a necessidade de transportar documentos, papéis e volumes em dinheiro de um escritório para o outro, de uma empresa para a agência bancária, entre outros tipos de entrega.

Deu certo, ao menos quanto ao resultado objetivo. Vinte anos atrás, a revista Veja São Paulo fez um teste: colocou um motoboy, um motorista de táxi e um office boy — que só podia andar a pé e de transporte público — para levar, simultaneamente, um envelope do Brooklin, na zona sul da cidade, até o Viaduto do Chá, no centro. Eram 10 horas de uma quarta-feira quando o desafio começou, acompanhado por este repórter. O contínuo venceu os 11 quilômetros em 52 minutos; o taxista levou 33; e o motoboy efetuou a tarefa em apenas 17 minutos.

Alto risco

Tamanha agilidade pode cobrar um preço alto. Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), 483 motociclistas morreram nas ruas da cidade de São Paulo em 2024 — 20% a mais do que no ano anterior. Segundo especialistas, em outras partes do planeta, o fluxo de entregadores por motos costuma ser mais disciplinado.

Consultor e especialista em mobilidade, o engenheiro de transporte Sergio Ejzenberg lembra que esse tipo de transporte é mais comum em países não desenvolvidos ou em desenvolvimento. “As motocicletas são importantes em países pobres, com sistema deficiente de transporte público”, explica. “Adaptadas ou improvisadas, as motocicletas se prestam até para transporte de cargas volumosas. A internet está cheia desses exemplos, alguns espantosos”, acrescenta, referindo-se aos inúmeros memes que mostram o transporte de fogões, tevês ou animais por meio de motos.

“A ideia é usada em larga escala no mundo todo, inclusive em países mais industrializados, com renda per capita alta e um controle maior quanto à segurança do trânsito”, argumenta Peixoto, da Unicamp. “A grande diferença está na oferta do serviço, com fiscalização mais intensa ou efetiva”, compara. “Nada é problema, desde que seja regulamentado e fiscalizado”, concorda Ejzenberg, lembrando que é comum, no Brasil, a circulação de motocicletas não licenciadas e conduzidas por motociclistas não habilitados, sem a devida fiscalização ou punição. “Esse é o mal que acomete uma parcela gigante da frota circulante. Esse é o problema”, enfatiza.

Dos envelopes às pessoas

O mundo mudou e ficou tão digital que o motoboy cada vez menos precisa levar papéis. Por outro lado, tornou-se fundamental nas entregas de refeições, medicamentos, compras de mercado e uma infinidade de outros produtos — em especial os de pequeno porte e que precisam chegar rápido ao destino. Os aplicativos tornaram a contratação muito mais fácil para o usuário.

Na pandemia da covid-19, esses serviços foram a salvação. Segundo o SindimotoSP, no auge do problema sanitário, com as pessoas confinadas em suas casas e o aumento do desemprego, o número de motofretistas cresceu 40% na capital. “As ruas estavam vazias, mas ouvíamos ruídos altos e estridentes das motocicletas passando, não raro com uma caixa atrás”, recorda Peixoto. Segundo o especialista, o aumento do número de profissionais de frete está diretamente ligado à maior oferta e acessibilidade ao serviço — e de produtos que prometem entrega rápida.

De acordo com Ejzenberg, há espaço para um número ainda maior de motoboys. “O serviço de moto ou mototáxi por aplicativo vai se expandir, ocupando o vácuo deixado pelo péssimo transporte público por ônibus”, argumenta. “A única maneira de conquistar passageiros é melhorar esse serviço”, conclui.

E, mais uma vez, é a tecnologia que manda. O mototáxi, comum há anos no interior e nos morros cariocas, agora é oferecido também nos apps de transporte, como Uber e 99. Autorizado na maior parte do País, na Cidade de São Paulo — onde tudo começou — há uma disputa entre as empresas e a prefeitura. De um lado, a demanda da população por transporte mais rápido e barato. De outro, a preocupação com a segurança de quem trafega pelas ruas sobre duas rodas, pilotando ou na carona.

Em junho, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou o Projeto de Lei (PL) 7/2025, que regulamenta o transporte de passageiros por motocicletas via aplicativos no Estado, estabelecendo que a autorização e a definição das regras cabem aos municípios. Isto é: por ora, na capital paulista, o mototáxi continua proibido.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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