Editorial
03/02/2025Duas unanimidades muito além do Centrão
Com discursos parecidos de exaltação dos interesses das duas casas, os presidentes eleitos entoaram para o plenário o canto litúrgico da maioria estrondosa que arregimentaram

Por Paulo Delgado*
Consagrando, de forma praticamente unânime, a imagem de si mesmo de ser um corpo político único e indivisível, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal iniciam a segunda parte da atual legislatura impondo consenso aos dois outros poderes. Com discursos parecidos de exaltação dos interesses das duas casas e de “garantia de nossas prerrogativas e defesa de nossa imunidade parlamentar”, os presidentes eleitos entoaram para o plenário o canto litúrgico da maioria estrondosa que arregimentaram, à direita, ao centro e à esquerda. Via sacra conturbada das procissões antigas que tanto levaram e continuam a levar políticos a serem processados por mau uso do orçamento público e das próprias verbas pessoais de gabinete.
A impressão que predomina na sociedade sobre a forma de funcionar do parlamento não muda. Diante do domínio dos interesses privados dos próprios membros, com mais de uma centena de deputados e senadores envolvidos em inquéritos que apuram manipulação de verbas do orçamento secreto, contraditoriamente, este é o momento mais forte do parlamento desde a Constituinte. Dois jovens que souberam compensar a inexperiência histórica com a habilidade conjuntural que os faz vencedores. Souberam interpretar bem a deslegitimidade de poder moderador que o Supremo Tribunal Fedral (STF) se deu ao dissolver o poder colegiado e tolerar de cada ministro uma sentença. Alcolumbre e Motta prometem continuar a obra de ampliar os poderes da ação parlamentar.
É um claro cenário de afirmação do novo republicanismo do Norte–Nordeste, supraideológico e pluripartidário, muito além do Centrão. Um movimento que capturou as dinastias familiares e as oligarquias partidárias, consagrando a tríade formada por clientelismo, bastidor e patrimonialismo. Muito se aproveitou da dificuldade de o Executivo decidir sem conflito, com clareza e unidade, apostando na divergência política. Cooptado o governo, torna mais difícil ao presidencialismo (e ao presidente) liderar a agenda da Nação e o controle da execução do orçamento. A consequência é ver o eixo da governabilidade se deslocar do Palácio do Planalto para as mesas do Congresso, com comissões permanentes e frentes parlamentares funcionando em máxima rotação.
O Estado da União se enfraquece por culpa de autoridades que querem o conformismo social e a aceitação política sem se dar conta do novo conceito de território nacional e as novas conexões entre políticos e cidadãos. Vivemos em uma sociedade multidimensional, em que tudo se expressa na competição digital predadora, que recebe mais informação das redes sociais dos que das instituições públicas, incapazes de produzir valores universais que se contraponham ao individualismo e ao egoísmo social. O Poder Público vai perdendo a primazia frente às novas soberanias trazidas pelo comércio internacional e pelas evoluções da comunicação, da tecnologia e das novas manias pregadas por “gênios” das interações. Cada vez mais a alma da lógica política nas instituições do Estado são os sistemas individuais fechados, nos quais não há um corpo político e jurídico impessoal que expresse a soberania coletiva e a previsibilidade das decisões, própria do papel de entidade do interesse geral. E quando o poder impõe à sociedade obrigações que o próprio não cumpre, as suas razões não se tornam exemplares.
Em suma, observando essa ordem política irracional e personalíssima — em que o poder é mais a relação pessoal do que o direito e a igualdade de todos perante a lei —, é possível compreender a conjuntura política atual e seus desdobramentos.
*Paulo Delgado é sociólogo, cientista político e diretor na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.
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