Editorial
31/07/2020E depois do auxílio emergencial?, por José Pastore
Tanto o auxílio emergencial quanto as medidas trabalhistas vão acabar antes de o mercado de trabalho se recuperar
O sucesso do auxílio emergencial exige definição rápida do programa Renda Brasil, que seria mais bem-alcançada no âmbito da reforma tributária
(Arte: TUTU)
As fraudes no recebimento do auxílio emergencial podem ser consideradas esperadas em face da urgência que se fez necessária para socorrer as famílias que, abruptamente, perderam as condições de trabalhar e de ganhar. Isso ocorreu, também, nos países avançados que instituíram tais medidas de forma emergencial. De qualquer forma, as fraudes exigem apuração e punição rigorosas.
O importante é destacar que o auxílio emergencial foi medida providencial para as famílias mais sofridas que necessitavam de socorro imediato. O IBGE informa que cerca de 30 milhões de domicílios (quase 70% do total) receberam auxílio médio de R$ 881 mensais durante três meses, agora prorrogado por mais dois.
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A boa pontaria do programa pode ser avaliada pelo fato de ele ter sido a principal fonte de renda para 93% dos brasileiros mais pobres. Com isso, a ajuda elevou as condições devida dos mais sofridos, inclusive crianças e, temporariamente, retirou boa parcela dos brasileiros da pobreza e da extrema pobreza (pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia). A extrema pobreza, que atinge 2,3 milhões de crianças, teria afetado 7,9 milhões sem o socorro. É um feito e tanto.
As medidas trabalhistas referentes à redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho também evitaram muito sofrimento ao preservar milhares de empresas e mais de 10 milhões de empregos. São resultados animadores para iniciativas que tiveram de ser gestadas às pressas.
E daqui para a frente? O coronavírus continua implacável, causando doença e ceifando vidas. Mas, tanto o auxílio emergencial quanto as medidas trabalhistas vão acabar antes de o mercado de trabalho se recuperar. Os últimos dados do IBGE mostraram forte queda do número de pessoas ocupadas: entre maio e julho, o Brasil perdeu 2,1 milhões de postos de trabalho. As empresas que reabriram as portas enfrentam restrições e baixa demanda devido ao medo e à falta de renda dos consumidores. Isso torna a retomada dos negócios muito frágil.
As boas notícias sobre emissão de notas fiscais, consumo de energia, melhoria do tráfego e aumento de transações bancárias detectadas em junho foram acompanhadas pelo Caged, que mostrou desaceleração na destruição de empregos formais. Mas, estamos longe de céu de brigadeiro. A população ocupada teve queda histórica entre maio e julho, passando de 84 milhões de pessoas para 82 milhões. O percentual de pessoas ocupadas entre os que têm idade para trabalhar caiu para 48% — a mais baixa da série histórica.
Até aqui, os analistas têm se perdido em uma sopa de letras que, ora vê a recuperação em V, ora em U, ora em W. Este último formato inclui um vai e vem na atividade econômica e um abre e fecha das empresas. É bem provável que o Brasil siga essa trajetória enquanto perdurar a insegurança das pessoas e dos negócios. Isso pode fazer os problemas do trabalho durarem mais do que a pandemia, adentrando pelo ano de 2021.
O grande problema que temos pela frente será o de gerar oportunidades de trabalho em grande quantidade. Com incertezas no negócio e demanda reduzida, as empresas não têm razão para contratar muitos empregados. Mesmo porque mais de 500 mil fecharam em definitivo.
Voltando ao ponto inicial: o sucesso do auxílio emergencial exige definição rápida do programa Renda Brasil. Essa definição seria mais bem-alcançada no âmbito da reforma tributária. Mas, dada a complexidade da reforma, penso que o substituto do auxílio emergencial terá de ser antecipado. E não pode decepcionar. É o que se espera.
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*José Pastore é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense em 31 de julho de 2020.