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Negócios

“É impróprio enquadrar como serviço a visualização de conteúdos audiovisuais pela internet”, afirma José Eduardo Saran

Para o tributarista, devem ser vistas com reservas as recentes decisões do STF e do STJ que trataram da tributação de softwares e do acesso a conteúdos digitais

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“É impróprio enquadrar como serviço a visualização de conteúdos audiovisuais pela internet”, afirma José Eduardo Saran

É preciso identificar com clareza um produto ou serviço para taxá-lo corretamente
(Arte: TUTU)

Por Filipe Lopes

Quando a Constituição Federal de 1988 foi elaborada, ninguém poderia imaginar que a tecnologia evoluiria ao ponto de necessitar de um novo entendimento tributário para compreender a circulação de bens intangíveis, a prestação de serviço de comunicação e outros tipos de acesso a mensagens e conteúdos digitais por meio da internet. Por isso, nos últimos anos, essas questões têm sido levadas à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente a questão do licenciamento de software. Com o objetivo de debater o conceito tributário dos negócios digitais e as decisões recentes do STJ e do STF, o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon-SP) recebeu o pesquisador tributário José Eduardo de Paula Saran, em reunião virtual na última quinta-feira (25).

A reunião foi mediada pelo presidente do Codecon-SP, Márcio Olívio Fernandes da Costa, que também preside o Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

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De acordo com Saran, na economia tradicional, o objeto contratado tem uma natureza intrínseca (obrigação de dar, obrigação de fazer, cessão de direito, cessão de uso), não importando o tipo de negócio. Entretanto, com o advento da economia digital, o valor adicionado é criado pelo cérebro e pela inovação, e não por uma cadeia de produção e comercialização. “Na economia digital, os objetos contratados assumem diferentes características a depender das funções que venham a ter no negócio específico”, aponta o estudioso, que cita como exemplo as aplicações de jogos eletrônicos, que permitem ao usuário melhorar o personagem (ou “avatar”), com a aquisição de objetos personalizados para o jogo, compradas via cartão de crédito e debitados na sua conta bancária. Isto é, apesar de ser um ambiente virtual, se trata de um processo de aquisição de produtos com recursos reais. Outro exemplo, seria a obtenção de um melhor trajeto viário, através de uma aplicação de rotas, a visualização de um filme numa aplicação de conteúdos audiovisuais por streaming, ou a reserva de um apartamento, numa aplicação over-the-Top de hospedagem. A dúvida reside em como classificar tais utilidades.

Diante desta diferença conceitual, o mestre em Direito Tributário pela PUC-SP discorda das recentes decisões do STF que definiram o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para tributar o acesso a softwares, e apontou a possível inconstitucionalidade da legislação que atribui ao ISS a tributação do acesso temporário a conteúdos digitais. “Há de se analisar, porém, o objeto dos contratos dos casos concretos e sua natureza jurídica intrínseca”, afirma Saran. Entende ele que o STF ampliou indevidamente o conceito de serviço, copiando o modelo do IVA europeu; lá, porém, lembra ele, esse imposto incide tanto sobre bens tangíveis como sobre serviços, e a opção levou em conta aspectos pragmáticos de definição de alíquotas. O Brasil, por outro lado, tem longa tradição jurídica de separação entre “obrigação de dar”, “obrigação de fazer” com atividade humana, e “cessão” ou “aluguel de coisa móvel”, daí a impropriedade.

Importância de tributar corretamente

A economia digital é responsável por um mercado de bilhões, tanto em volume de usuários em todo o mundo como em circulação de riquezas. Contudo, é preciso identificar com clareza um produto ou serviço para taxá-lo corretamente. As decisões do STF colocam no mesmo patamar softwares (programas de computador) e aplicações over-the-top (veiculação de conteúdos pela internet).

“Na minha visão, os softwares e os over-the-tops devem ter tratamentos tributários diferentes. O over-the-top envolve tecnologia digital, portanto, sintaticamente, é um software. Todavia, semanticamente, não é software. No aspecto finalístico ou utilitário, são coisas diferentes. Por isso, seus tratamentos regulatório e tributário igualmente devem ser distintos”, pondera Saran.

No Brasil, somente em 2018, o mercado das aplicações over-the-top de vídeo movimentou US$ 783 milhões – o País é um dos cinco maiores mercados globais deste tipo de tecnologia.

Saran destacou ainda que utilizar o ISS para tributar os negócios digitais em vez do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), além de ser um erro conceitual, não é interessante para os Estados e para os contribuintes, conforme mostra a tabela a seguir:

ICMS

ISS

Não cumulativo

Cumulativo

Bens, mercadorias e alguns serviços

Serviços não compreendidos na competência do ICMS e que devem estar previstos em lei complementar

Tem natureza nacional, embora da competência dos Estados e do DF

Tem natureza estritamente local

Sua receita é repartida com os municípios do Estado respectivo

Receita fica exclusivamente com o município instituidor

As administrações estaduais são mais bem estruturadas para administrar o imposto

Muitos municípios nem sequer instituíram o imposto em suas jurisdições, e a maioria não tem estrutura adequada para administrá-lo

Soluções possíveis

O pesquisador aponta que a Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) poderia ser alterada para contemplar a circulação de bens e mercadorias digitais, bem como para a prestação de serviços de comunicação por meio da internet. “Estabeleceria a definição da base de cálculo, identificaria o sujeito passivo (contribuinte e responsáveis tributários) e estipularia os deveres instrumentais (obrigações acessórias)”, afirmou Saran.

Para o caso de haver uma Reforma Tributária, Saran indica a possibilidade de criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), dual ou não, com base ampla de incidência (bens, mercadorias e serviços), incluindo os suportes fáticos da economia digital. “Sua materialidade seria a atividade produtiva, e não os conceitos tradicionais de mercadoria e serviços”, prevendo-se uma repartição de receitas entre os entes federativos, conta. Outra opção seria a criação de um Simples Informático, também com repartição de receitas entre os entes federativos, ou, por fim, um tributo na competência residual da União exclusivamente para a economia digital, mas com repartição de receitas por uma questão de justiça fiscal e atendimento do princípio federativo.

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