Editorial
15/05/2023É preciso paciência e racionalidade ao discutir juros
Especialista elenca três pontos fundamentais para discutir a política monetária
Por André Sacconato*
Quando percebemos que o negócio não vai bem, é muito difícil manter a calma, ainda mais a uma taxa de juros que não sai de um patamar absurdamente alto e ao perceber que a referida taxa não é nem sombra de quanto vai se pagar pelo dinheiro e pelo investimento.
Por isso, é essencial saber alguns conceitos técnicos relacionados ao tema, que podem nos ajudar, inclusive, a entender de quem cobrar as ações necessárias para uma economia sustentável a longo prazo. Elenco aqui três importantes fatos que podem esclarecer um pouco a discussão sobre a política monetária.
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Fato 1: a Selic, acrônimo de Sistema Especial de Liquidação e Custódia, de curtíssimo prazo, nada mais é do que a taxa de empréstimos diários entre bancos, garantidos por títulos públicos.
Ao fim do dia, na hora de acertar o caixa, algumas instituições têm superávit e outras, déficit. Dessa forma, por um dia, uma empresta dinheiro a outra, e quem toma o empréstimo coloca títulos à disposição como garantia.
Assim, apenas por uma noite, diminui-se de forma drástica o risco desse empréstimo. Após isso, a taxa é anualizada — e chegamos aos 13,75% ao ano que temos hoje. Por essa razão, a Selic é considerada a “taxa básica sem risco”.
Contudo, quando você, empresário, vai solicitar empréstimo para o médio ou o longo prazo, este fica referenciado no que chamamos de curva de juros. Essas são as expectativas dos mercados para os juros de hoje e de amanhã.
Uma queda equivocada dessa taxa no curto prazo pode fazer subir a que o mercado produtivo vai pagar, porque os agentes imaginam que se o governo, agora, decidir por baixar de forma desacertada, terá que elevar demais no longo prazo, quedas incorretas na taxa de juros encarecem o crédito de médio e longo prazos.
Fato 2: quem realmente determina a taxa de juros é a política fiscal. O governo, no Brasil, absorve mais de 40% de toda a renda produzida. Desse modo, quanto mais se gasta, menos sobra para o setor privado.
Além disso, ao se gastar demais, qualquer custo adicional pode gerar pressão ainda maior na demanda, retirando recursos que seriam usados pelo setor privado e encarecendo o crédito. Se o Banco Central (Bacen) não segurar os juros, isso se refletirá na inflação, e o poder de compra, pelo menos o dos mais pobres, é o que mais vai sofrer. Só será possível baixar os juros quando o governo começar a economizar e firmar um compromisso sério de ajuste fiscal.
Fato 3: o Bacen não persegue a taxa cheia de inflação, mas, sim, o core, o qual nada mais é do que a exclusão do aumento de preços (ou das baixas) dos produtos mais voláteis, como energia e alimentos.
Não temos uma medida oficial de core, mas temos uma proxy: a medida de serviços, que, ainda em 7,6%, está muito acima do dobro da meta. Longe de favorecer uma queda, pelo menos por enquanto.
Uso aqui, mais uma vez, a metáfora do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto: juros é igual antibiótico, não se pode parar de tomar mesmo que pareça que tudo esteja bem, porque a doença pode voltar mais forte.
Para aproveitarmos uma fase de queda de juros consistente e duradoura, exige-se um pouco de paciência e tranquilidade, além de uma reflexão técnica. A parcimônia e a racionalidade, agora, vão garantir um bom período de flexibilidade monetária.
*André Sacconato é economista, consultor da FecomercioSP e integrante do CEEP.
Artigo originalmente publicado no Portal Contábeis em 12 de maio de 2023.
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