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Legislação

Eficiência gerada pela Inteligência Artificial no Fisco vem acompanhada de preocupações sobre os direitos dos contribuintes

Mesmo com a capacidade de trazer avanços revolucionários às questões tributárias, modernização precisa ser articulada para proteger garantias legais e evitar o risco de judicialização

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Eficiência gerada pela Inteligência Artificial no Fisco vem acompanhada de preocupações sobre os direitos dos contribuintes
A capacidade de predição é outro dos avanços mais relevantes da ferramenta nos processos tributários (Fotos: divulgação)

Embora o mundo jurídico esteja receoso quanto aos riscos potenciais, hoje, é praticamente impossível fugir das transformações proporcionadas pela Inteligência Artificial (IA). O avanço da tecnologia, que ocorre de forma acelerada, já pressiona as empresas a adotar ferramentas inovadoras que tragam ganho de eficiência e capacidade de predição de decisões. Outra via de entrada dessa ferramenta no setor produtivo é pela relação tributária com o Poder Público. Um exemplo recente é o anúncio da Receita Federal a respeito do desenvolvimento de uma plataforma que utiliza IA e análise de redes complexas para aprimorar a detecção de fraudes e ilegalidades fiscais. A outra razão, obviamente, é a forma como a tecnologia deve se integrar ao futuro arcabouço da Reforma Tributária.

“A IA apresenta um enorme potencial para revolucionar a maneira como lidamos com questões tributárias. Desde a automação de tarefas repetitivas até a análise de grandes volumes de dados fiscais, a ferramenta oferece oportunidades de inovação que podem aumentar substancialmente a eficiência, reduzir o risco de erros e proporcionar mais segurança jurídica aos contribuintes e ao Estado”, afirmou Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), durante a reunião do órgão. Para tanto, advertiu, o respeito aos princípios constitucionais é imprescindível.

Para esse debate, o conselho recebeu, na sede de Federação, Marcela Berger, mestre em Direito Tributário e especialista em Direito Processual Civil e em tecnologia e novos modelos de negócios, e Fernando Zilveti, mestre em Direito Constitucional, doutor em Direito Tributário, presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB/SP) e membro do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP). Confira alguns destaques a seguir.

O que esperar do uso da IA no ‘split payment’

Durante a reunião, Zilveti argumentou que o uso da tecnologia por órgãos públicos atacará pela raiz os conflitos entre a administração tributária e o contribuinte que, muitas vezes, se arrastam por décadas, com consequências para ambos os lados. Esse é o caso, conforme exemplificou, da falta de lançamentos de notas fiscais por um comerciante em razão de problemas nos sistemas, dificultando o cumprimento devido da obrigação tributária. Segundo o especialista, a interação da IA ocorrerá justamente a partir do recolhimento por split payment — que, neste momento, depende do aval do Congresso à Reforma Tributária.

“No modelo de split payment que o Brasil pode adotar, ao fazer uma compra por qualquer meio eletrônico (como PIX ou cartão), o imposto será automaticamente recolhido sem que o comerciante precise emitir nota fiscal ou registrar a transação. O sistema de IA da Receita Federal, em conjunto com os fiscos estadual e municipal, cuidará da divisão do imposto entre os entes tributantes. Assim, o comerciante receberá apenas a sua parte, não o valor total. O novo sistema aprenderá com as operações e as normas tributárias. O papel do contribuinte será discutir a repetição de débitos, o que pode gerar dúvidas sobre quem pode contestar e quem é o contribuinte real”, explicou o advogado.

Como contraponto, ele sinalizou que, apesar das necessidades de modernização e melhoria dos sistemas, o resultado disso não pode ser a supressão do direito dos contribuintes de não pagar ou discutir a questão. “Essa supressão está ocorrendo, e isso é perigoso até mesmo do ponto de vista constitucional”, completou.

Judicialização inevitável?

Marcela, por sua vez, destacou que a futura integração do fato gerador, do objeto tributário e do lançamento em uma única fase, a despeito de ser teoricamente facilitadora, reflete uma visão muito mais voltada ao Fisco do que ao contribuinte. “Isso me lembra as discussões em torno de estruturas de setores ainda não regulamentados graças à sua contemporaneidade. Eu me pergunto como o contribuinte poderia se defender diante de um sistema tão fechado. Ceifá-lo do debate em nome da construção de uma ‘verdade [material] para a tributação’ não é algo que vejo com bons olhos”, frisou.

“Trata-se de pontos que estão em zonas nebulosas e que poderão levar à judicialização. O que estamos discutindo, essa divisão de valores, abrange blockchain [banco de dados que armazena informações de forma segura e descentralizada, garantindo segurança e transperência] e smart contracts [programas de computador que rodam em blockchains, automatizando acordos e tornando as transações mais rápidas e eficientes]. Imagine como será levar isso ao Poder Judiciário. Apesar da incerteza, é uma discussão inevitável no futuro”, acrescentou. “Neste momento, minha grande indagação é se a ferramenta será capaz de acompanhar todas as divergências e nuances da legislação e do nosso sistema.”

Marcela Berger, especialista em tecnologia e novos negócios; Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários ; e Fernando Zilveti, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP Marcela Berger, especialista em tecnologia e novos negócios; Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários ; e Fernando Zilveti, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP
Marcela Berger, especialista em tecnologia e novos negócios; Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários ; e Fernando Zilveti, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP

A tecnologia e o futuro das obrigações acessórias

A especialista ainda ressaltou a possibilidade do uso de ferramentas de IA que facilitem e tornem o cumprimento de outras obrigações acessórias mais ágil, sobretudo para a redução de erros, frente a dois sistemas tributários distintos que funcionarão em conjunto por quase uma década, durante o período de transição da reforma. 

“Eu vejo que o uso da IA será positivo e fundamental para auxiliar o contribuinte ao longo desse caminho. Quantas vezes já pegamos um auto de infração que se tratava de um erro de preenchimento ou algo semelhante, mas que acabava gerando uma discussão administrativa ou até mesmo judicialização,” destacou Marcela. 

Potencial preditivo da tecnologia

A capacidade de predição é outro dos avanços mais relevantes da ferramenta nos processos tributários. O prognóstico parte de um aprendizado de máquina a partir da leitura da IA sobre diversas decisões. Com um conjunto de palavras-chave, é possível identificar as ocasiões em que a jurisprudência pelos tribunais tende a seguir um caminho ou outro.

“O modelo é desenvolvido a partir de perguntas feitas pelo humano à ferramenta. Quanto mais precisas elas forem — e quanto maior o volume de processos computados —, maior será a chance de a predição superar os 90% de assertividade. Isso é algo que não se via há cinco anos”, afirmou Zilveti. “Isso é fundamental para os casos que exigem alta precisão e uma boa probabilidade de êxito no prognóstico, pois se baseia na análise algorítmica para fornecer previsões mais certeiras e vantajosas.”

Ainda assim, Marcela ponderou que é preciso que os escritórios de advocacia tenham sempre em mente que a IA veio para ajudar o ser humano, e não substitui-lo. “Isso precisa ser enraizado de forma consciente. Os órgãos que discutem a aplicação da tecnologia nas indústrias e nos mais diversos mercados são unânimes com relação à necessidade de haver uma revisão humana nas questões envolvendo essas ferramentas. É dessa forma que a tecnologia aprende a obter informações e acumular dados para chegar a um determinado resultado.”

Regulamentação no Brasil 

Fernandes da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários da FecomercioSP, acredita que todas as ponderações levantam questões importantes para o debate, como o respeito aos princípios constitucionais fundamentais (legalidade e isonomia), a garantia de transparência nos processos automatizados e a proteção dos dados sensíveis dos contribuintes. A Entidade tem colaborado com o Poder Público para ajudar na regulamentação da IA e minimizar os riscos quanto ao uso da tecnologia.

Recentemente, em reuniões no Senado e com o governo federal, a Federação apresentou sugestões para mitigar pontos críticos do Marco Legal de IA em tramitação no Congresso. O objetivo é desenvolver uma lei que reduza a insegurança jurídica para o setor produtivo e, também, atenuar possíveis riscos à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Saiba mais!

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