Economia
29/10/2024Eleições municipais confirmam a redistribuição de poder que fortalece o centro político
Em reunião plenária da FecomercioSP, CEO da Arko Advice analisa as implicações das eleições municipais na política nacional e no ambiente de negócios para 2026
O sistema presidencialista no Brasil está passando por uma transformação desafiadora para o governo. As eleições municipais reforçaram a redistribuição de poder que fortalece o centro político, enquanto que, ao longo dos últimos anos, o presidente da República perdeu alguns dos mecanismos que davam a ele uma predominância no sistema político, como os controles do orçamento sobre emendas parlamentares e do Banco Central (Bacen). Nas palavras de Murillo de Aragão, advogado e fundador e CEO da Arko Advice, esse resultado eleitoral revela um poder político importante do núcleo que administra o Congresso Nacional.
Um dos fatores que favorecem esse novo arranjo é o atual modelo das legislações eleitoral, orçamentária e partidária, que beneficia os partidos e os parlamentares atualmente em exercício. “Vamos dizer que cada um, em média, pode ter anualmente milhões de reais em destinação de verbas para seus municípios e bases eleitorais, o que faz com que sejam, obviamente, favoritos”, argumentou Aragão, durante a reunião plenária com as diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), na última segunda-feira (28).
De todo modo, o que prevalece é o grande centro político brasileiro, que já havia se manifestado como preferencial nas eleições gerais e se confirmou nas municipais, enfatizou o advogado. “O presidencialismo em transformação é claramente um incômodo para esse governo. Vamos ver qual será a sua reação a essa situação. Com o enfraquecimento do antibolsonarismo — e até mesmo do bolsonarismo —, o presidente Lula não capturou como poderia a centro-esquerda e o centro; ele tem um apoio pontual para as agendas do Congresso, mas não um apoio solidário com relação ao seu propósito de reeleição.”
Segundo Aragão, o resultado eleitoral deste ano reforça essa situação de transformação e pode até alimentar as hostilidades entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. “Essas emendas, por exemplo, que querem limitar decisões monocráticas da Suprema Corte e buscam facilitar os processos de impeachment de ministros do Supremo, ganham tração na medida em que o grupo que controla o Congresso termina fortalecido para as próprias eleições de 2026.”
Esquerda perde força nos municípios
Aragão ressaltou que os fortalecimentos do centro e da direita nos municípios criam um dilema para a esquerda. Com essa nova configuração de poder local, as forças progressistas terão pela frente um período de dois anos para desenvolver um discurso nacional capaz de fazer frente à expressiva presença que esses grupos conquistaram nas prefeituras.
“As eleições municipais são como as eliminatórias da Copa do Mundo, quem vai bem se classifica para a reta final. Todos os partidos que saem fortalecidos, como o PSB — com quase 900 prefeituras —, o MDB e o PL, com resultados muito expressivos, se fortalecem para a eleição geral para deputados federais, governos e Senado. Já a esquerda, que não teve um bom resultado, perde a mobilização dessas máquinas municipais para um bom desempenho. Isto é, a esquerda vai depender cada vez mais de um fator externo nacional que imponha uma bandeira eleitoral forte do que propriamente da máquina de disputa política que existe no País”, destacou.
Na opinião do CEO da Arko Advice, isso será uma tarefa difícil, uma vez que, por mais que a esquerda avance em políticas sociais, estas já são consideradas parte integrante da vida das pessoas. “Ninguém admite agora perder o Bolsa Família, o Vale Gás etc. Todas essas iniciativas rapidamente se tornam comuns, e o próprio fato de existirem, hoje, vários programas sociais de âmbitos municipal e estadual faz com que o PT não tenha mais aquele privilégio que tinha antes”, salientou Aragão. Por outro lado, frisou, a dificuldade do centro e da centro-direita é a de ter um candidato.
A abstenção nas eleições e o peso das redes sociais
Nacionalmente, a abstenção dos eleitores no segundo turno das eleições municipais foi de 29,26%, equivalente a 9,9 milhões de pessoas que não compareceram às urnas, conforme dados consolidados pelo TSE no mesmo dia 28. Esse porcentual é próximo ao registrado em 2020, durante a pandemia de covid-19, quando o volume foi de 29,53%. Em contraste, nas eleições presidenciais de 2022, a abstenção no segundo turno foi menor, atingindo 20,57%.
Para Aragão, o alto índice revela um desencanto com a política polarizada e radicalizada, assim como com as campanhas que não tratam de ideias e se resumem a ataques e desmoralização dos adversários. “Isso é, de certa forma, um sintoma de desagrado com o sistema político. Por outro lado, o amadurecimento também se dá quando se reconduzem prefeitos que se saíram bem. Ao mesmo tempo, há um pragmatismo. Sem um grande arcabouço nacional, como foi a Lava Jato e o antibolsonarismo, as eleições passam a ser muito ‘municipais’, situação que revela a maturidade do eleitor, que não votou por gostar ou desgostar do Lula, mas porque gosta do prefeito ou da prefeita. Isso é um amadurecimento”, frisou. “Acredito que o eleitor também se cansará da polarização radicalizada que resulta em ataques dos candidatos. Não é o que eles querem ver.”
Ao lado do amadurecimento, há também uma presença crescente do eleitor nas redes sociais. No entanto, atualmente, esses canais vivem um processo de bolha sem diálogo mútuo. “O eleitor ‘A’ fala só para o eleitor ‘A’; o eleitor ‘B’ fala para o eleitor ‘B’, e não há uma grande influência como um todo, pois o fluxo tão grande de informação gerou uma descrença na própria informação”, complementou.
Espaço para reformas
De acordo com Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, ainda se vê nas eleições uma alta fragmentação partidária, o que dificulta a elaboração de políticas públicas de longo prazo, além da persistência da polarização política, que atrapalha um diálogo construtivo. “Ainda assim, as eleições municipais são oportunidades para cobrarmos prioridades nas bases. A vida acontece na cidade, e as coisas não dependem apenas da vontade política de prefeitos e prefeitas, mas também da livre e espontânea pressão da sociedade organizada. Os problemas metropolitanos têm relação direta com o desempenho dos setores de Comércio, Serviços e Turismo”, afirmou, durante a reunião.
“Nós dependemos de infraestrutura e segurança pública — que, apesar de serem responsabilidades estaduais, estão na agenda das prefeituras. Sem falar de medidas de contingência para eventos climáticos extremos e para a gestão de resíduos, questões que parecem novas, mas estão aí há muito tempo. Mesmo em meio a esse quadro complexo, não podemos deixar de cobrar as reformas, a começar pela Administrativa. Para o ambiente de negócios funcionar, a agenda política precisa ter o mínimo de previsibilidade e coesão”, concluiu Dall’Acqua Júnior.
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