Economia
09/06/2025Em tempos de inflação alta, estoques reguladores são estratégias para o equilíbrio de preços e a segurança alimentar
O preço da comida pesa no bolso: a alimentação em domicílio acumulou alta de 7,69% em 2024, superando a inflação geral

Apesar do refresco recente — a prévia da inflação de maio desacelerou para 0,36%, puxada pela menor alta dos alimentos, e comemorada pelo mercado financeiro —, o preço da comida continua pesando no bolso dos brasileiros. O custo da alimentação em domicílio acumulou alta de 7,69% em 2024, superando a inflação geral, de 4,83%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A ferramenta tradicional para segurar a inflação é o aumento da taxa básica de juros pelo Banco Central (BC), uma tentativa de esfriar o consumo. No entanto, há outro importante instrumento de controle da oferta de alimentos — os estoques reguladores. Muito utilizados entre as décadas de 1960 e 1990, eram usados como estratégia para garantir preço e renda do produtor, além de regular o abastecimento interno e, consequentemente, melhorar a segurança alimentar, principalmente das populações mais vulneráveis. Mas os estoques públicos de alimentos passaram a registrar baixos volumes nos últimos 11 anos, chegando a ter itens zerados.
Recentemente, o governo federal anunciou um investimento de R$ 350 milhões na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a manutenção e a criação de novos armazéns, com o fim de recompor os estoques de milho, arroz e trigo. O objetivo é estocar esses produtos em momentos de baixa dos preços para então usá-los em momentos de alta.
A estimativa é armazenar mais de 500 mil toneladas desses grãos em 2025, dobrando o volume para 1 milhão de toneladas até 2026. “Em 2023, formamos estoques de milho e, em 2024, retomamos, após 11 anos, os estoques de trigo”, conta Arnoldo de Campos, diretor-executivo da Conab. “Há quase 20 anos temos uma inflação de alimentos muito maior do que a média, com raros períodos de exceção. E a falta de estoques faz com que a oscilação de preços seja ainda maior”, observa.
Atualmente, a rede de armazéns para os estoques reguladores, formada por bases públicas e credenciadas, dispõe de apenas 64 unidades em operação. Em seu auge, em 2016, no fim do governo de Dilma Rousseff, eram 100 locais em funcionamento. “As gestões seguintes fecharam mais de 30 armazéns, além de cortarem investimentos para os que restaram”, critica Campos.
A manutenção dos investimentos em estoques públicos reguladores é medida válida que precisa ser mantida, aponta Guilherme Dietze, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Entretanto, ele adverte para a necessidade de fiscalização. “Os estoques são uma política pública bem-vinda, que ajuda em situações atípicas de preços, mas quando bem-feita. É justo conter preços quando há avanço no feijão e no arroz”, opina.
Apesar de o preço do feijão também estar pressionado em razão da escassez do grão — e no passado a Conab já ter armazenado mais de 150 mil toneladas —, não está no horizonte de curto prazo a formação de novos estoques do grão. “O feijão é um produto de difícil armazenagem, por ser muito perecível”, explica Campos.
Falta incentivo
José Giacomo Baccarin, professor no Departamento de Economia, Administração e Educação da Universidade Estadual Paulista (Fcav/Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero, defende que, além da recomposição e da manutenção dos estoques reguladores, é preciso criar outros mecanismos — como imposto de exportação em momentos de alta nos preços, além de incentivos econômicos para as cadeias produtivas essenciais. “Não vejo o porquê de não pensarmos em políticas de intervenção na exportação quando os preços ficam bem acima dos que vinham sendo praticados. Já o estoque poderia ser pensado e aplicado para aqueles produtos nos quais o Brasil não tem grande participação no mercado internacional”, sugere.
Segundo a Conab, a companhia já trabalha em incentivos para ampliar a oferta interna de produtos básicos da alimentação. Um dos pontos é o debate com o governo federal para que o Plano Safra 2025/2026 inclua mecanismos para garantir que os produtores mantenham áreas cultiváveis para arroz, milho e trigo, sem direcioná-las a culturas com alta demanda externa, como a soja. “Dentre as ações, estão as voltadas para o incentivo da agricultura familiar, a redução dos juros, melhores condições para o seguro agrícola e a garantia de preço para produtos básicos”, detalha Campos.
É nesse sentido que a economista Carla Beni, professora de MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP), faz um alerta: o Brasil vem registrando, nos últimos 40 anos, o menor patamar de área cultivável para itens da alimentação básica, como arroz, feijão, verduras e legumes, fator que pesa diretamente na segurança alimentar dos brasileiros. “O agricultor vai plantar aquilo que dá melhor retorno. E, a cada década, temos mais benefícios para a monocultura exportadora. Por isso, defendo a cota de exportação”, ressalta.
O exemplo do milho
O aumento nos preços de grãos como feijão, arroz e trigo no mercado doméstico é contínua, diante de fatores como o aumento da demanda interna, a baixa na oferta e o maior volume de exportações. Os preços internos do milho iniciaram março em alta, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), refletindo a demanda aquecida combinada à baixa disponibilidade.
Pesa, ainda, a questão logística, com prioridade para o escoamento da soja, em alta no mercado internacional. Ainda assim, a venda externa do milho seguiu em alta, somando 871,29 mil toneladas em março de 2025, bem acima das 427,3 mil toneladas de março de 2024. Além disso, enquanto a demanda anual do cereal no mercado interno é estimada em 86,97 milhões de toneladas, os estoques iniciais da safra atual seguem baixos, com apenas 2,04 milhões de toneladas, e estimativa de 5,53 milhões de toneladas ao fim da colheita, cerca de 6% da necessária para abastecer o mercado interno.
Como é lá fora
China e Índia, os dois países mais populosos do planeta, detêm entre dois terços e três quartos das reservas globais de milho, arroz e trigo. Além deles, Estados Unidos, Rússia e Paquistão completam o grupo dos cinco maiores detentores de estoques públicos, os quais, juntos, respondem por quase 75% das reservas globais de alimentos, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). “Em contraste, vemos que a maioria dos países, incluindo economias emergentes e em desenvolvimento, mantêm níveis relativamente baixos de estoques públicos”, compara Jorge Meza, representante da FAO no Brasil.
Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.
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