Editorial
17/12/2018Energia no novo governo, por José Goldemberg
Para físico, voltar à regionalização da produção para atender a interesses locais é um retrocesso
"Energia elétrica não é como petróleo, que pode ser importado e exportado", escreve
(Arte: TUTU)
Por José Goldemberg*
Entre os muitos desafios e tarefas urgentes do novo governo federal está o equacionamento do setor de energia, principalmente o da energia elétrica, um dos que foram mais atingidos pela incompetência do governo de Dilma Rousseff. Além disso, temos agora um ativismo tardio do ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, que pode atrapalhar.
Esse setor foi objeto de poucos debates e propostas no período eleitoral, exceto pelo então candidato Jair Bolsonaro, que articulou algumas ideias e propostas. Eleito presidente da República, elas merecem melhor análise.
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Os problemas mais urgentes da área de energia estão no setor elétrico, porque o preço da eletricidade é determinado pelo que fazemos aqui, no País. Esse não é ocaso do petróleo, cujo preço é determinado pelos grandes produtores internacionais principalmente a Opep e há pouco que possamos fazer a esse respeito. No caso da eletricidade, porém, erros ou acertos do governo federal são fundamentais para a fixação do custo da eletricidade, que afeta diretamente todos os consumidores e é umas das principais causas da inflação.
O setor de petróleo vai relativamente bem no País depois da retomada dos leilões, no governo Michel Temer, para a exploração do pré-sal com a participação de empresas estrangeiras, que trazem capital e tecnologia e dividem os ris cos com a Petrobrás. O País já é autossuficiente na produção de petróleo bruto e o gargalo está no refino, que é insuficiente e obriga a Petrobrás a importar gasolina e óleo diesel, com uma engenharia financeira complicada.
O que parece claro no caso da Petrobrás é que ela deveria desfazer-se de atividades que não dizem respeito à produção de petróleo e deixar atividades comerciais como postos de gasolina, petroquímica e outros nas mãos da iniciativa privada. A expansão da capacidade de refino poderia ser objeto de parcerias.
Essa é a essência do que se pode chamar interesse estratégico na área de petróleo e foi a razão da criação da Petrobrás, há mais de 50 anos.
Já no setor elétrico há problemas sérios.
Distribuidoras de energia elétrica basicamente compram das geradoras a eletricidade por atacado e a vendem no varejo. A distribuição não necessita da presença do Estado e a privatização que o governo Fernando Henrique Cardoso fez de diversas empresas na década dos 90 foi um sucesso e deveria completar-se com urgência, liberando a Eletrobrás da carga pesadíssima das distribuidoras do Norte e Nordeste, que são inviáveis.
O problema é a geração de energia.
O papel do governo no passado foi fazer os grandes investimentos na produção de energia elétrica que o setor privado não tinha condições ou interesse em fazer.
A Eletrobrás e as estatais estaduais, como Cesp, Cemig, Copei e outras, construíram as magníficas usinas hidrelétricas com tecnologia local e são hoje a espinha dorsal do sistema elétrico brasileiro.
Ao longo do tempo uma rede de transmissão interligou o Brasil todo e garantiu a segurança energética do País. Quem entendeu bem isso foi o presidente Ernesto Geisel e retornar à regionalização da produção para atender a interesses locais, como advoga Moreira Franco, é claramente um retrocesso.
O Chile, que não tem até hoje um sistema interligado, sofre duramente com interrupções no fornecimento de eletricidade, dependendo do regime de chuvas no norte ou no sul do país.
Quanto ao futuro, existe ainda a possibilidade de expandir o sistema hidrelétrico durante 10 a 20 anos pelo menos, boa parte dele na Amazônia.
A contribuição das novas energias renováveis (eólica e solar) é mais do que bem-vinda, mas elas são intermitentes e reservatórios de energia são indispensáveis para garantir a estabilidade e segurança do sistema. Para isso nada melhor do que os reservatórios das usinas hidrelétricas. Acreditar que baterias elétricas o farão é quimera.
É por essa razão que os reservatórios das grandes usinas hidrelétricas não podem ser abandonados. O que cabe é uma análise do conjunto dos seus impactos, e não apenas os impactos daqueles que são afetados pelos reservatórios. A ênfase posta nos impactos locais negativos que é real em muitos casos precisa ser balanceada cornos impactos positivos para a população que é servida pela energia produzida. Essencial é atender e apoiar as populações atingidas e a experiência do passado em muitos casos mostra que é possível.
Usinas térmicas a gás e nucleares podem ajudar, mas têm custos mais elevados e são acompanhadas de problemas ambientais, como as emissões de carbono, no caso das térmicas, e os problemas bem conhecidos no caso da energia nuclear. A recente análise do Ministério da Fazenda sobre os elevadíssimos custos necessários para concluir Angra 3 deveria ser ponderada com cuidado pelo novo governo, antes de decidir pelo prosseguimento das obras necessárias.
Reabrir a discussão sobre privatizações, agora, não faz sentido. O que faz sentido é manter nas mãos do governo federal a capacidade de planejamento e de tornar viáveis os projetos que a iniciativa privada não consegue realizar.
Energia elétrica não é como petróleo, que pode ser importado e exportado. Ela é produzida aqui, no País, e a presença de capitais privados nacionais ou estrangeiros não põe em risco a segurança energética. Empresas de petróleo podem decidir abandonar um país, como ocorre às vezes em outros países. Mas empresas de energia elétrica não podem levar embora suas usinas e linhas de transmissão.
No passado, empréstimos do Banco Mundial eram essenciais para a realização de grandes obras nessa área, mas hoje existe uma enorme disponibilidade de recursos no mundo que assumiram essa função, desde que o governo estabeleça um quadro jurídico claro e estável.
É disso que precisamos.
*José Goldemberg é Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 17 de dezembro de 2018.