Editorial
19/03/2018Estado crítico no continente, por Paulo Delgado
"Hoje, a engenharia constrói cidades capazes de sobreviver a terremotos, mas a política segue construindo sistemas de poder que destroem sociedades", escreve o copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP
"O caso da Venezuela mostra como a insistência em agir de maneira errada acaba levando ao caos, e a vida se torna imprevisível", diz Delgado
(Arte/TUTU)
Por Paulo Delgado
Caracas já veio abaixo no passado em terremoto que levou a vida de milhares de pessoas. Um tremor de quase 8 graus na Escala Richter. Para cada terremoto de magnitude 8 no mundo, por ano, ocorrem 10 de magnitude igual ou menor que 8, 7, 6..., e assim regressivamente. São milhões de tremores diários que não se fazem sentir.
Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, Venezuela e Peru vivem seus tremores políticos e são os principais países de impacto econômico da América do Sul. Peru e Chile passaram por eleições e já estão com a cara do que serão na próxima década. A Argentina fez a transição um pouco antes e ano que vem volta às urnas para avaliar Maurício Macri. Até o provável segundo turno em junho, a disputa acirrada na Colômbia chama atenção. Mas até a primavera chegar no hemisfério sul, a preocupação com o continente é sobre o mal-estar brasileiro. Uma situação de egoísmo extremo do sistema político e judicial — que faz de quem trabalha e produz na sociedade uma pe teca jogada de mão em mão pela elite do Estado — que não gera nem pacificação dentro do establishment, nem uma proposta que imponha ao Estado o bom senso. Já a Venezuela, infelizmente, se tornou um caso de política humanitária e logo missões de paz das Nações Unidas serão convocadas para salvar da morte por inanição a população do país.
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Hoje, a engenharia constrói cidades capazes de sobreviver a terremotos, mas a política segue construindo sistemas de poder que destroem sociedades. De início, pouco a pouco, até que se chega a um estado crítico como vemos hoje. O Brasil se vangloria de ser poupado do fenômeno físico, mas segue como uma bússola avariada, cuja agulha foi desregulada pelas variadas formas da paixão e do arbítrio.
O relatório da ONU sobre Felicidade no Mundo, divulgado no meio da semana passada, mostra um recuo muito grande no Brasil nos últimos anos. Na América do Sul, a queda na felicidade dos brasileiros só foi menor do que a do venezuelano, recorde mundial. O Brasil ainda é, para todos os efeitos, o segundo país mais feliz da América do Sul (e 28° do mundo), depois do Chile e logo à frente da Argentina. Se o povo, exausto, resolver votar com o fígado, prepare-se para depressão maior.
O caso da Venezuela mostra como a insistência em agir de maneira errada acaba levando ao caos, e a vida se torna imprevisível. A saída dessa completa ausência de equilíbrio tem um custo social enorme para todos. O Brasil, que tanto passou a mão na cabeça dura dos governos chavistas, deveria pedir desculpas ao povo da Venezuela por prestigiar governantes que o levam a escapar para o lado de cá da fronteira.
Segundo pesquisa da Gallup, 41% dos venezuelanos gostariam de sair para sempre do país. A maioria quer ir para a Colômbia, o caminho mais curto e de língua conhecida. A satisfação dos venezuelanos com a realidade do país está em queda livre desde 2012.0 regime perdeu o ar e as coisas vão só piorando. De 2013 para cá, a satisfação da população com a vida também caiu na Colômbia e no Brasil, mas a maior tolerância das democracias nesses países ainda evita o pior. Até que a jovem política seja executada no centro do Rio?
A crise na Venezuela é uma oportunidade para trabalhar em conjunto com o governo colombiano, cujo atual presidente, Juan Manuel Santos, deixará o cargo em agosto. O Brasil precisa, já com o Santos, deixar canais de política de Estado operantes durante esse ano de transição nos dois países. A cooperação humanitária e de segurança com a Colômbia é imperativa para resolver não só a questão venezuelana, mas para endereçar com seriedade o problema de segurança pública no Brasil, o mal transparente que tomou conta do país.
Um dos caminhos da solidariedade continental é começar a junção entre Mercosul e Aliança do Pacífico, algo que já é defendido pela Argentina. Para o Brasil melhorar sua forma de acesso ao Pacífico do ponto de vista jurídico e físico, com infraestrutura, o caminho ideal pelo Peru exige uma conversa boa com Colômbia e Chile, mas também com o México, todos na Aliança do Pacífico. A agenda positiva que alçaria boas expectativas na região seria essa. Maior integração pelo comércio com melhoria de infraestrutura e redução das barreiras aos negócios. Como ninguém tem dúvida que é irresponsável deixar aprofundar uma dicotomia entre Atlântico e Pacífico na América do Sul, o melhor é unir o quanto antes.
Todavia, é bem provável que a América do Sul fique fechada para balanço enquanto Colômbia e Brasil não passem por suas eleições. A recuperação econômica avança, mas precisa aproveitar o máximo do momento para expandir suas bases regionais de negócios e cooperação. E evitar que o continente saia de vez do radar mundial.
*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense no dia 18 de março de 2018
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