Editorial
03/04/2017Há uma novidade na crise atual que assusta o status quo, comenta Delgado
Na opinião do copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, o atrito entre os poderes bloqueia a compreensão do que é mais importante para País
Na opinião de Paulo Delgado, o Brasil precisa de inteligência e estruturação
(PixAbay)
Paulo Delgado
Tudo, em nosso país, parece não ser suficiente. O oposicionismo é uma ideologia, a identidade política se alicerça na revanche, o litígio, a mais barata de nossas manias.
O barulho da política penal ofusca o dia a dia da recuperação econômica. O rumor e o atrito entre os Poderes bloqueiam a inteligência em relação à compreensão do que seja o principal.
O sucesso de um país se deve à predominância da monotonia presente num princípio básico: só é possível produzir riqueza a partir de relações econômicas, políticas e sociais estáveis, adequadas, regulares e conhecidas. E, nações como a nossa só avançam, e continuam jovens, se não perderem o sentido de urgência. A autoridade brasileira dispõe de tempo para desperdiçar e acredita que o mundo está assentado esperando o Brasil chegar.
O que mais caracteriza a crise política e econômica brasileira é a velocidade e a extensão de autoridades envolvidas, inclusive as investigadoras, quando são levianas. Há, por parte da elite do Estado, um claro abandono da imaginação moral para enfrentar desafios que a sociedade requer. Nenhum poder está em condições de exigir para si uma quantidade exagerada de atenção. Extravagâncias e trapaças andam distribuídas por todas as capitais.
Especialmente quando comparamos com a vida privada, onde sabemos que não é possível à família ou à empresa fazer o que quiser de qualquer jeito. Na vida pública, deveria ser impossível a qualquer autoridade poder fazer qualquer coisa de qualquer jeito. O erro paralisa o vigor e a energia do país para crescer.
Mas, mesmo que ainda não haja outra política, o Brasil parece querer alguma coisa diferente do que está dando errado. Lula, o primeiro líder populista de origem popular, se continuar sem autocrítica, deveria oferecer ao Brasil um período de silêncio. O "contrismo" recorrente bloqueia a decência analítica, impõe um raciocínio binário a tudo, leva qualquer mudança a ficar sob baixíssimo reconhecimento. A regra de combate do período anterior não foi superada: a política como operação ofensiva, a astúcia como talento, o movimento sem reflexão, a crítica é um desacato. Quando tudo é política, dá no que dá!!
Só que o Brasil precisa mesmo é de inteligência e estruturação. Retirar a demagogia do exercício do poder. Avançar com contenção deveria ser o slogan da transição.
O que anda ocorrendo com o presidente Temer é que, embora faça um governo de boa contextualização parlamentar — foi a origem da crise que exigiu esse semiparlamentarismo que ele pratica —, não consegue visibilidade social correspondente. Mas ninguém pode negar que é alta a gestão da coalizão política disponível que o presidente opera no Congresso. Depois de 15 anos de um Legislativo caricatura do Executivo, e menor tutelado do Judiciário, contraditoriamente, o campo minado em que opera a Lava-Jato fez o passado se infiltrar no presente como febre benigna. E acordou o Parlamento para sua prerrogativa.
Mas há uma novidade na crise atual que assusta o status quo. Um fato inabitual na política brasileira: o governante impopular se dispor a corrigir os erros e omissões de governo popular.
*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal O Globo no dia 3 de abril de 2017.
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