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Editorial

Guerra tarifária americana – o tarifaço

Trump justifica a medida pelo predomínio da China no comércio mundial e seus reflexos danosos à economia americana, já constante de sua plataforma eleitoral

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Guerra tarifária americana – o tarifaço
Agostinho Toffoli Tavolaro em reunião do Conselho Superior de Direito (crédito: Edilson Dias/FecomercioSP)

Por Agostinho Toffoli Tavolaro*

No dia 2 de abril — ou seja, há apenas 28 dias —, foi o mundo surpreendido com o anúncio, pelo presidente de tarifas aduaneiras globais, sobre todas as importações de seu país, em porcentuais jamais vistos até então (até 185%), declarando: 1) um estado de emergência nacional baseado na legislação americana em função dos grandes e persistente déficits comerciais dos Estados Unidos, que contribuíram para a atrofia da capacidade de produção doméstica, especialmente da base industrial de defesa e manufatura do país, impactando a capacidade de exportação; e 2) a adoção de uma política de tarifas recíprocas para reequilíbrio dos fluxos comerciais globais, mediante um imposto ad valorem adicional e taxação adicional de 10%, além de previstas exceções quanto a aço, alumínio, automóveis e peças automotivas, bem como outros produtos já sujeitos nos Estados Unidos à tributação específica que relaciona.

Trump justifica a medida pelo predomínio da China no comércio mundial e seus reflexos danosos à economia americana, já constante de sua plataforma eleitoral (“Make América Great Again” — MAGA), citando ainda que não obstante na WTO/OMC (Organização Mundial do Comercio) todos seus integrantes tenham concordado em vincular as tarifa ao princípio da NMF (nações mais favorecidas), os Estados Unidos têm uma tarifa média de 3,3%, enquanto outros países as têm em porcentuais mais elevados, quais Brasil (11,2%), China (7,5%), União Europeia (5%), Índia  (17%) e Vietnã (9,4%). Além disso, a tarifação das importações de veículos de passageiros com motor de combustão interna nos Estados Unidos é de 2,5%; na União Europeia, de 10%; na Índia, de 70%; e na China, de 15%, o mesmo acontecendo com as tarifas sobre etanol, arroz em casca e maçãs, alinhando ainda as distorções de mercado que reduzem o consumo doméstico e impulsionam exportações para os americanos, representando esse consumo, no país, 68% de seu PIB, sendo significantemente menor em países que alinha: Irlanda (27%), Singapura (31%), China (39%), Coreia do Sul (49%) e Alemanha (50%).

Gerou essa medida comoção geral nos meios financeiros de todos os países, mesmo aqueles quem sempre se mantiveram ao lado dos Estados Unidos, como os membros da União Europeia, levando a análise dessa medida batizá-la de Tarifaço, nela vendo mesmo uma declaração de guerra econômica mundial. Tenha-se presente que, no dia 9 de abril, Trump, tendo em conta a reação internacional, suspendeu temporariamente a maior parte de suas novas tarifas.

Não havendo um precedente histórico dessa magnitude, produziu reações dentro do próprio país — como o editorial de Thomas Friedman, “Por que nunca estive tão apavorado com o futuro dos Estados Unidos como agora” (para o The New York Times, o “Estadão internacional”) e de Fareed Zakaria (“Trump revives a 1930 mistake that hurt more than it helped”) —, apontando a semelhança do ato de Trump com o insucesso das Smoot-Hawley Tariffs, que visavam salvar a agricultura norte-americana (1930), dada a crise de 1929 com as agora destinadas a salvar as indústrias de lá.

Salvo a China, que elevou a taxação dos produtos americanos para 125%, havendo, no entanto, o seu presidente, Xi Jinping, dito que “não há vencedor em guerra tarifaria”, não houve reações oficiais de vários países e organismos internacionais (OECD, ICC, WTO/OMC, G20 etc.) e outros sobre a matéria, mas apenas entrevistas a diferentes órgãos da imprensa de alguns de seus dirigentes, expressando seu posicionamento pessoal, tendo a mesma União Europeia suspendido contramedidas face à suspensão temporária acima mencionada.

De se apontar que, dentro dos Estados Unidos, tem havido reações contra a tarifação em apreço, cabendo citar a Flórida (ação de uma ONG) e a Califórnia, onde um grupo de empresários ingressou em juízo no Tribunal do Comércio Internacional daquele país. Ademais, o governador da Califórnia anunciou que proporá na Justiça ação para suspender a aplicação das taxas alfandegárias, por não ter a medida o aval do Congresso americano.

O Financial Times, em visual story, “How China’s record trade surplus helped spark Trump’s tariff war” (9 de abril), alinha os prós e os contras da economia doméstica chinesa e a utilização do Vietnã como um modo de evitar a origem de seus produtos exportados ali, recebendo apenas uma camada de tinta a etiqueta “made in Vietnam”. Impõe-se, agora, recordar que, havendo o Brasil estabelecido relações diplomáticas com a China em 1974 (governo Geisel), vimos tendo no correr dos anos um influxo considerável de capitais chineses em nosso país — apresentando, hoje, nosso país com a China superávit em sua balança comercial, enquanto que, no que se refere aos Estados Unidos, a temos deficitária.

Destaque-se outrossim que, de acordo com a Apex Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a China se colocava, em fevereiro deste ano, como o nono maior investidor estrangeiro no País, vaticinando no entanto que, dado que as montadoras chinesas BYD e GWM iniciarão a fabricação de veículos elétricos e híbridos por aqui — em Camaçari (BA) e Iracemápolis (SP) —, a China passará a ocupar a quinta colocação, atrás apenas de Estados Unidos, Países Baixos, França e Espanha.

A China foi o principal destino das exportações brasileiras em 2020–2024, consolidando-se o Brasil como maior fornecedor de soja, carne bovina, celulose, açúcar e carne de aves, concentrado, ainda em commodities, soja, petróleo bruto e minério de ferro, que representam 75,6% do total das nossas exportações. Marcas da China como Alibaba Group e AlliExpress são as mais conhecidas no País, aqui existindo mais de cem grandes empresas chinesas. Considerações outras dizem respeito à condição do dólar como moeda internacional, vez que a supremacia comercial da China vem se imponto, abalando a sua cotação. 

Também não se pode olvidar a visão internacional da geopolítica. Criado o termo por Rudolf Kjellén, em 1899, fixado principalmente em possessões territoriais, ampliou-se a sua utilização para designar o estudo das relações entre a geografia, a história, a política e a economia, analisando como essas forças influenciam nas relações internacionais e nas estratégias dos países, impactando também seu espaço geográfico e os recursos naturais nas decisões políticas e econômicas e relações de poder entre as nações. Reconhecida a liderança de um país, como hoje os Estados Unidos, a eventual pretensão da China de assumi-la deveria contar com o apoio de muitas outras nações, havendo o Estadão traduzido e publicado uma análise do The New York Times (17 de abril), sob o título “China quer que os países se unam contra Trump. Mas seriam os chineses um parceiro confiável?”. 

Acrescente-se ainda que, ao que parece, não houve, na determinação de Trump, um viés ideológico (capitalismo versus comunismo), tanto mais que há autores especializados na matéria que repudiam mesmo a classificação da China como comunista, dada a sua supremacia no comércio e no investimento internacionais — o que, a nosso ver, tem levado Trump a entabolar conversações com Putin, da Rússia, que se vê relegado a segundo plano na globalização dos novos tempos.

Sob o ponto de vista do Direito internacional, tendo o Brasil firmado acordos comerciais disciplinados por organismos, quais a OMC, o Mercosul e a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), que integra e estando ainda vinculado a 30 Acordos de Complementação Econômica (ACEs) multilaterais ou bilaterais, a sua conduta quanto às relações econômicas internacionais e à sua tarifação deverá a eles se subordinar.

A perplexidade inicial das nações, vem, ao que parece, mas não ainda oficialmente, a buscar soluções de negociação multi ou bilaterais com Trump, recomendando-se conhecimento e cuidado nas relações, dado o seu personalismo. Devendo o Brasil, por meio das suas representações, iniciar tratativas com o presidente Trump, a fim de amenizar o impacto das novas medidas comerciais, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em sua mais recente Análise de Conjuntura Internacional — intitulada “Como o Brasil deve lidar com Trump” —, destaca quatro pontos principais: a) uso inteligente de retaliações comerciais; b) diversificação de alianças internacionais; c) fortalecimento das relações com países asiáticos; e) propriedade intelectual como instrumento de barganha.

Conclusão

Fluida ainda se apresenta a conjuntura decorrente da inopinada iniciativa de Trump. Recentíssima, pois apenas 28 dias decorridos do seu anúncio, serve este documento apenas para dar um quadro geral das reações que suscitou.

* Agostinho Toffoli Tavolaro é membro Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

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