Editorial
18/12/2017Há uma nova revolução tecnológica em marcha?, por José Goldemberg
"Há consenso entre historiadores de que nos últimos 10 mil anos houve apenas duas verdadeiras revoluções tecnológicas", explica o presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
"Os benefícios resultantes para o bem-estar das populações são evidentes", diz Goldemberg, sobre as revoluções tecnológicas
(Arte/TUTU)
Por José Goldemberg
Vivemos numa época em que a cada dia aparecem notícias sobre descobertas extraordinárias e idéias extravagantes, como estabelecer uma colônia humana na Lua, entre outras. Elas são, em geral, apresentadas por visionários como revoluções tecnológicas e insufladas às vezes por interesses comerciais, mas não são realmente revoluções, com exceção talvez da informática e da inteligência artificial.
Há um certo consenso entre historiadores de que nos últimos 10 mil anos houve apenas duas verdadeiras revoluções tecnológicas. A primeira delas é o cultivo da terra, isto é, o surgimento da agricultura, que fixou oshomensem territórios, substituindo o estágio do homem caçador. Com isso surgiram as aglomerações urbanas e depois os impérios.
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A segunda foi a revolução industrial a partir dos séculos 19 e 20. Nesse período houve grandes avanços, que vão desde a teoria da evolução de Darwin à descoberta das leis do eletromagnetismo, que levaram à produção de eletricidade em larga escala, a qual permitiu o desenvolvimento de geladeiras, máquinas de lavar roupas e outros equipamentos domésticos. A eletricidade permitiu também as telecomunicações, incluindo rádio e televisão. Outro s avanços ocorreram na área de medicina, como vacinas e antibióticos, que estenderam a vida média dos seres humanos. A descoberta e o uso do petróleo e gás foi feita dentro desse período.
Os benefícios resultantes para o bem-estar das populações são evidentes.
Só para dar um exemplo, em 1950 os americanos gastavam em média 30% da sua renda em alimentos. No ano de 2013 essa porcentagem tinha caído para 10%. Os gastos com energia também caíram, graças à melhoria da eficiência dos automóveis e outros fins, como iluminação e aquecimento, o que, aliás, explica por que o preço do barril de petróleo caiu de US$ 150 para menos de US$ 30. Hoje é produzido petróleo demais no mundo, como também existe capacidade ociosa de aço e cimento.
Foi esta segunda revolução tecnológica que levou também à explosão da população, da urbanização. Hoje cerca de 50% da população mundial vive em cidades, em espaços que representam apenas 1% da área terrestre do planeta. Um terço da população mundial (Europa, Estados Unidos e Japão) tem um bom padrão de vida e essa porcentagem está aumentando com o crescimento da China e de muitos outros países em desenvolvimento. Isso está sendo alcançado, de modo geral, com a tecnologia que foi desenvolvida no século 20.
Não é o número de noras descobertas que garante sua relevância. O avanço da tecnologia lembra um pouco o que acontece às vezes com a seleção natural dos seres vivos: algumas espécies são tão bem adaptadas ao meio ambiente em que vivem que deixam de “evoluir”. Esse é o caso dos besouros que existiam na época do apogeu do Egito, 5 mil anos atrás, e que continuam lá até hoje; ou de espécies “fósseis” de peixes que evoluíram pouco em milhões de anos.
Outros exemplos são produtos da tecnologia moderna, como os magníficos aviões DC-3, produzidos há mais de 50 anos, que ainda representam uma parte importante do tráfego aéreo regional.
Mesmo em áreas mais sofisticadas, como informática, isso parece estar acontecendo. Abase dos avanços nessa área foi a “miniaturização” dos chips eletrônicos, onde estão os transistores. Em 1971 os chips produzidos pela Intel (empresa líder na área) tinham 2.300 transistores numa placa de 12 milímetros quadrados. Os chips de hoje são pouco maiores, mas têm 5 bilhõe s de transistores. Foi isso que permitiu a produção de computadores personalizados, telefones celulares e inúmeros outros produtos. É por essa razão que a telefonia fixa está sendo abandonada e a comunicação via Skype é praticamente gratuita e revolucionou o mundo das comunicações.
Esses avanços tecnológicos foram tão extraordinários que o que se pergunta agora é se haverá uma nova revolução tecnológica e até mesmo se ela é realmente necessária.
Há, contudo, áreas em que os avanços dos séculos 19 e 20 não foram suficientes, como o entendimento de como funciona o cérebro humano, o produto mais sofisticado da evolução da vida na Terra. Explicar como uma combinação de átomos e moléculas pode gerar um órgão tão criativo como o cérebro, capaz de possuir consciência e criatividade paracompor sinfonias como as de Beethoven e ao mesmo tempo fabricar armas e promover o extermínio de milhões de seres humanos -, será provavelmente o avanço mais extraordinário que o Homo sapiens poderá conseguir. Avanços nessas áreas poderiam criar uma vaga de inovações e progresso material superior em quantidade e qualidade ao que ocorreu no “século de ouro”, que foi de 1870 a 1970.
Existem pessimistas, como o físico inglês Stephen Hawking, que acreditam que nada disso vai resolver os problemas da poluição resultante da revolução industrial, em especial o aquecimento da Terra devido à emissão de gases de efeito estufa, que esses problemas são insolúveis e que teremos de emigrar para outros planetas para salvar a civilização. Esse pessimismo não se justifica. Existem soluções técnicas para os problemas que enfrentamos.
O que não existe é uma solução para os problemas decorrentes de uma possível nova revolução. O que mais se aproxima dessa nova revolução é a automação, que permitirá substituir centenas de milhões de seres humanos por máquinas, e as transformações sociais resultantes poderão ser enormes. A revolução da agricultura levou à escravidão. A industrial, à social-democracia. A eventual terceira revolução, que é a automação, mudará de formaimpossível de prever a nossa civilização.
Daí a necessidade de orientar a pesquisa científica em direções que atendam melhor às necessidades humanas: novos materiais, automação, inteligência artificial, engenharia genética e suas consequências sociais.
*José Goldemberg é Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 18 de dezembro de 2017
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