Economia
22/11/2024Marco Legal da IA adiado: pontos críticos do PL podem aprofundar judicializações trabalhistas
De acordo com a FecomercioSP, texto ainda falha ao detalhar aspectos das relações de trabalho que podem engessar a promoção de um ambiente econômico inovador e juridicamente estável
A Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) prorrogou o prazo por mais 30 dias para concluir os trabalhos. A extensão foi aprovada pelo Plenário na primeira quinzena de novembro, atendendo ao pedido do senador Marcos Pontes (PL/SP), vice-presidente da comissão. Com isso, o relator, senador Eduardo Gomes (PL/TO), terá mais tempo para elaborar o relatório final. Essa é a quinta prorrogação do funcionamento da CTIA, ressaltando que o tema ainda exige amplo debate e estudo por parte do parlamento antes de avançar na regulamentação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil.
Dentre os principais desafios do Projeto de Lei 2.338/2023, que institui o Marco Legal da IA, destaca-se a complementação do Relatório da CTIA, de julho de 2024, quando foi introduzido no texto o artigo 56, que interfere de forma muito detalhada nas relações entre empresas e trabalhadores, chegando a adentrar competências regulatórias alheias à área da Tecnologia. Esse item determina que as autoridades setoriais do Sistema Nacional de Governança e Regulamentação de IA (SIA), juntamente com o Conselho de Cooperação Regulatória de IA (CRIA) e o Ministério do Trabalho, elaborem diretrizes e normativos para políticas públicas voltadas para a proteção e a valorização dos trabalhadores no contexto da tecnologia. Confira, a seguir, alguns propósitos estabelecidos de forma subjetiva.
- Reduzir impactos negativos, como perda de empregos.
- Promover saúde, segurança, capacitação e desenvolvimento profissional.
- Estimular as negociações coletivas e a pactuação de acordos e convenções, fortalecendo entidades sindicais.
- Ampliar postos de trabalho e valorizar os trabalhadores.
- Desenvolver treinamentos contínuos.
- Avaliar impactos da tecnogia ao ambiente de trabalho, reduzindo externalidades negativas aos trabalhadores.
- Evitar demissões em massa da força laboral, principalmente quando desprovida de negociação coletiva.
- Garantir a supervisão humana em decisões automatizadas que afetem os trabalhadores.
De acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), embora a complementação evidencie o nobre objetivo de proteger o valor social do trabalho, o detalhamento de aspectos da relação entre capital e labor acabou entrando em contradição com a ordem jurídica em diversos pontos.
Risco à liberdade econômica e à geração de empregos
O principal problema é que o texto atribui aos órgãos administrativos — como SIA e CRIA, além do Ministério do Trabalho — a responsabilidade de definir normativos e políticas públicas, especialmente na área Trabalhista. Isso os equipara aos poderes da República, criando normas dirigidas diretamente ao setor privado.
Essa abordagem pode gerar conflitos com o princípio da legalidade e levar à judicialização do Marco Regulatório da IA, na medida em que interfere na atividade econômica. Isso ocorre pois o texto apresenta inconstitucionalidades ao violar os princípios da livre-iniciativa e da Lei de Liberdade Econômica, ao se envolver na criação e na movimentação de empregos, no desenvolvimento de carreiras e na capacitação. Essa abordagem pode, inclusive, limitar o avanço de novas formas de produção e tecnologia, essenciais para o crescimento econômico.
Além disso, o conceito de políticas públicas, como definido pela Constituição, envolve o planejamento e a regulamentação em níveis específicos, o que parece ter sido ultrapassado no artigo 56. Vale lembrar que o dispositivo que aborda a proibição de demissões em massa ou substituição ampla da força de trabalho pelo uso de IA, principalmente sem negociação coletiva, já está previsto na legislação específica da Reforma Trabalhista. Por isso, a sua inclusão na proposta em tramitação é desnecessária e pode gerar conflitos normativos, aumentando o risco de insegurança jurídica e judicialização do tema.
Alternativa ao principal ponto crítico do Marco Legal da IA
Ainda segundo a FecomercioSP, o texto original do artigo 55, com ajustes pontuais, seria uma alternativa mais equilibrada e compatível com a ordem jurídica. Posteriormente, durante as discussões e revisões do projeto, foi renumerado para o artigo 56 e ampliado em seu escopo.
O ideal é que o CRIA, em colaboração com o Ministério do Trabalho, atue, no máximo, no desenvolvimento de recomendações para orientar diretrizes que promovam a integração ética e responsável da IA no ambiente de trabalho. Essas recomendações devem servir como base para decisões e ações que valorizem o equilíbrio entre a inovação tecnológica e a proteção dos direitos trabalhistas, garantindo um desenvolvimento alinhado com as necessidades socioeconômicas.
Ademais, o dispositivo em questão contraria o que foi alcançado em termos de modernização da legislação com a reforma de 2017, que logrou valorizar a autonomia dos particulares, diminuindo a intervenção do Estado nas atividades econômica e laboral, bem como atribuindo a prevalência do negociado sobre o legislado. Essa autonomia terá sempre lugar em todas as situações em que haja necessidade de ajustes no regramento das relações de trabalho pelas próprias partes envolvidas, cujo conhecimento das demandas, necessidades e objetivos em cada caso, em geral, alcançam resultados mais satisfatórios, com mais flexibilidade, eficiência e rapidez do que poderia se esperar da intervenção estatal sobre essas questões.
A FecomercioSP atua para que o Marco Legal da IA promova inovação tecnológica com segurança jurídica, estimulando o desenvolvimento econômico sustentável, confiante que a legislação trabalhista já conta com ferramentas suficientes para a proteção do trabalhador frente ao desenvolvimento que a ferramenta oferece aos meios de produção. Por meio de análises e diálogo com o Legislativo e com o governo, a Entidade busca evitar conflitos normativos e impactos negativos para o setor produtivo e a sociedade. Acompanhe todas as ações e iniciativas da Federação do por meio deste link.