Editorial
22/10/2018Não podemos desembarcar do mundo, por José Goldemberg
Artigo afirma ser essencial a continuidade do País no Acordo de Paris para evitar isolamento político internacional
Goldemberg e outros ex-ministros do Meio Ambiente afirmam que o Brasil também não pode correr o risco do fechamento de mercados consumidores para as exportações
(Arte: TUTU)
Por José Goldemberg*
Um dos grandes desafios do século 21 está na implementação do desenvolvimento sustentável, conforme decidido, em 2015, com a aprovação da Agenda 2030, na Assembleia-Geral da ONU, com o apoio de 195 países. Esta decisão é resultado de um longo processo que se iniciou em Estocolmo, em 1972, e que, de lá para cá, teve o Brasil como um dos protagonistas, tornando-nos, reconhecidamente, um dos grandes atores dessa matéria na agenda internacional.
Ainda na década de 70, o Brasil deu importantes passos na institucionalização da questão ambiental com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), em 1973, e com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, ainda no regime militar. No âmbito dos governos estaduais, houve processo similar, com a criação de agências estaduais de meio ambiente, revelando-se, assim, a incorporação da temática ambiental no poder público e a consolidação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
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Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil tornou-se um dos primeiros países a tratar com destaque a questão ambiental em vários dispositivos constitucionais, o que só foi possível pela articulação de uma frente suprapartidária na Assembleia Nacional Constituinte, sob a coordenação do ex-deputado Fabio Feldmann. Nos direitos dos povos indígenas, a Constituição trouxe um avanço incontestável com o artigo 231, que teve no senador Jarbas Passarinho (1920-2016) um dos seus principais apoiadores.
Expurgando-se o calor inerente às campanhas eleitorais, espera-se que o futuro presidente compreenda a importância estratégica para o país da manutenção e valorização das instituições públicas de meio ambiente essenciais ao cumprimento da Constituição de 1988, em especial o Ibama e o ICMBio. Com isso, continuaremos a garantir um caminho claro na direção do desenvolvimento sustentável que, inexoravelmente, atende às aspirações da sociedade, independentemente das escolhas do eleitorado no próximo dia 28.
É inegável a necessidade de dar continuidade ao aperfeiçoamento da gestão ambiental no Brasil, que vai além dos temas relacionados ao uso da terra.
Especial atenção deve ser dada aos instrumentos de avaliação de impacto ambiental e ao licenciamento ambiental, sem ignorar a sua importância para a tomada de decisão dos processos de desenvolvimento e a envergadura da jurisprudência consolidada em nosso país e na esfera internacional.
O aquecimento global, por sua vez, é reconhecido pela comunidade científica e por toda a comunidade internacional como o maior desafio da humanidade nas próximas décadas.
O Brasil, com liderança inequívoca nesta matéria, quer pela competência da sua diplomacia, quer por determinações da Política Nacional de Mudança do Clima, só tem a ganhar mantendo os esforços a favor de uma economia de baixo carbono, no combate ao desmatamento ilegal, no desenvolvimento da indústria florestal e na consecução dos objetivos do Acordo de Paris.
Já estamos sofrendo os impactos negativos do aquecimento global com o aumento de desastres naturais, seca prolongada no semiárido e alteração dramática do nosso regime hidrológico, com riscos evidentes nas atividades das hidrelétricas e vulnerabilidades na produção agrícola e no abastecimento de água nos centros urbanos.
A megabiodiversidade brasileira representa enorme potencial para o desenvolvimento de novas economias nos campos farmacêutico, químico, cosmético e de alimentos. As Unidades de Conservação, por sua vez, são ativos importantes de desenvolvimento regional, podendo gerar ganhos sociais e econômicos, além de importante instrumento de defesa do território nacional.
Nós, que participamos ativamente da construção das instituições ambientais do Brasil nos últimos 30 anos, entendemos que o próximo presidente da República terá a oportunidade de compreender a importância da manutenção do Ministério do Meio Ambiente e da permanência do Brasil no Acordo de Paris para a liderança brasileira na agenda nacional e global do desenvolvimento sustentável.Não podemos correr o risco de isolamento político internacional ou do fechamento de mercados consumidores para as nossas exportações. Não podemos desembarcar do mundo em pleno século 21.
*José Goldemberg é Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 22 de outubro de 2018, em coautoria com os trambém ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero.
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