Editorial
27/11/2017O mundo voltou a esquentar, por Paulo Delgado
Copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP critica atitude de Donald Trump em acordo climático
Presidente norte-americano quer enterrar o Acordo de Paris celebrado na Conferência do Clima, em 2015
(Arte:TUTU)
Estamos chegando ao fim do ano e todos andam certos de que a Terra não é mais a mesma. Com Donald Trump na presidência dos EUA é Al Gore, ex-futuro presidente do país — que venceu George Bush, mas não ocupou a Casa Branca — que faz mais uma vez o papel do bobo bom. Reaparece em novo documentário, Uma sequela inconveniente: a verdade ao poder, novamente alertando ao mundo que o aquecimento é um esgoto que adoece a Terra.
O bobo é aquele personagem tragicômico do teatro clássico inspirado no funcionário das cortes europeias e asiáticas, contratado para divertir o rei. Sem papas na língua, era autorizado, distintamente, a dizer o que lhe vinha à cabeça. Figura peculiarmente interessante faz falta aos partidos políticos brasileiros, nossas monarquias hereditárias. Bobo é quem usa o humor para falar com o coração verdades percebidas pela razão, que muitos preferiríam jogar para debaixo do tapete.
Al Gore, tipo de alma penada do grand monde, orgulha-se do papel que teve para viabilizar o acerto sobre o clima, em Paris. Se fosse cumprido, o mundo poderia manter abaixo de dois graus o aumento da temperatura no presente século, tendo como base o calor do século 19.
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Trump quer enterrar o Acordo de Paris, celebrado em 2015 na COP21, Conferência do Clima patrocinada pela ONU, e do qual espalhafatosamente retirou os EUA meses atrás. Não que ele ligue, mas não será convidado por Macron, o presidente da França, para o encontro de 12 de dezembro na capital francesa para alinhar os líderes mundiais após dois anos de assinatura do tratado. Em antecipação a isso, na busca de um anticlímax de uma COP23 sediada em Bonn, o Le Monde, principal jornal francês, em 14 de novembro, trouxe estampado em letras garrafais: “Em breve já será muito tarde”. A chamada anunciava para o encarte no jornal de um documento assinado por 15 mil cientistas de 184 países alertando para a necessidade de ações imediatas para evitar “uma miséria generalizada e uma perda catastrófica de biodiversidade”.
Vinha ali o esforço de popularização de uma bem-calcada análise científica sobre o que se passa com o planeta. O alerta publicado na revista BioScience, editada pela Universidade de Oxford, é outra sequência, dessa vez de um artigo estampado ali há 25 anos, por volta da EC092, ocorrida no Rio de Janeiro. A situação degringolou de 1992 para cá, a despeito de um aumento radical na conscientização das pessoas. Algum efeito positivo aconteceu e nos três anos anteriores a 2017 as emissões mundiais de C02 ficaram estagnadas, mas estão novamente em alta.
Embora pareçam otimistas para muitos, as previsões endossadas por Gore são fins da utopia. Nascidas dessa abstrata compreensão científica dos malefícios oriundos do aquecimento do planeta, por quaisquer dois graus que sejam, faz cada vez mais sentido perceber na pele por que o mundo voltou a esquentar. Onze anos passados desde que Uma verdade inconveniente, documentário de Davis Guggenheim, com um apaixonado Al Gore, alertava sobre o aquecimento global contínuo. De pouco adiantou o impacto que foi receber o Oscar de melhor documentário de Hollywood e, junto com o Painel intergovernamental para as mudanças climáticas da ONU, o prêmio Nobel da Paz daquele ano de 2007.
O resumo dos anseios que brotam da visualização dos fatos é o de que temos de adotar, o quanto antes, uma alternativa conjugada de produção e modo de vida que sejam mais do que sustentáveis, mas mais duráveis ecologicamente. O caráter de emergência do problema, aponta a matéria principal da revista londrina The Economist na semana passada, é que, para se evitar transpor os dois graus, não adianta parar a emissão, mas, sim, teria que ser desenvolvida tecnologia para sugar o equivalente a 20 anos de emissão para fora do ar que nos envolve. Sem dúvidas, nunca vivemos em tempos tão dinâmicos na fermentação de avanços tecnológicos ultramodernos, e muitas vezes salvadores, mas sem incentivos claros para que venham à luz a difícil solução que salvará a Terra da morte do clima.
No início deste novembro, a extemporânea adesão da conflagrada Síria ao Acordo de Paris deixou os EUA na condição de único país do mundo que oficialmente o rejeita. Uma posição inconveniente para quem se clamava até há pouco como o líder do mundo livre. Muitos se preocupam que o isolacionismo americano seja um mau exemplo para cabeças fracas mundo afora. Todavia, tudo está tão exacerbado que se esparrama como caricatura de modo a apenas expor, para que todas saibam, a cínica hipocrisia dos alegres aderentes que nada fazem de verdade para melhorar a situação. Trump é o mais errado, pelo tamanho dos EUA, mas não é nenhum bobo da corte.
*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado originalmente nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas no dia 26 de novembro de 2017
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