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Editorial

O normativismo brasileiro em 10 tópicos: origem histórica, implicações e possíveis soluções

O excesso de leis e normas que cria um nó legal e amarra o desenvolvimento do Brasil foi pauta da última reunião do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP

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O normativismo brasileiro em 10 tópicos: origem histórica, implicações e possíveis soluções
Juliana Bastos e Pedro Simon debateram as milhares de leis e normas que compõem a constituição e colocam em xeque as funções do Estado no Brasil na última reunião do Conselho Superior de Direito (Imagem: Edilson Dias)

As funções do Estado se encontram em xeque, nos âmbitos Legislativo, Executivo, Judiciário, diante do excesso de normas verificado no Brasil. São, literalmente, milhares de leis. Esse foi o tema central da reunião de maio do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), presidido por Ives Gandra Martins. O chamado normativismo brasileiro foi escrutinado por Juliana Bastos e Pedro Simon, membros do conselho, em uma apresentação que mapeou as causas e as consequências do problema, além de oferecer possíveis soluções.

“A uma Constituição que já nasceu analítica, foram acrescentadas 135 emendas, 15.134 leis ordinárias federais, 200 leis complementares federais, e mais de 6 mil medidas provisórias editadas desde 1988 – parte destas já convertidas em leis ordinárias”, enumera Juliana. Isso sem nem mencionar as demais espécies normativas: estaduais, municipais e decretos legislativos. “Há atualmente 41.209 Projetos de Lei (PLs) em tramitação, 2.437 deles propostos só nos primeiros meses de 2025”, completa Simon.

Trata-se, portanto, de uma infinidade de regras com textos muitas vezes obscuros, inconsistentes, repetitivos e até mesmo contraditórios. Esse emaranhado técnico-jurídico não é apenas um problema do aplicador de direito; é também um problema de cidadania, já que não se pode deixar de cumprir as normas por desconhecimento. Mas, antes de tudo, este labirinto legal é um reflexo de aspectos culturais do País, com origens ancestrais.

Raízes ancestrais
O normativismo é um traço cultural brasileiro desde o período colonial e carrega forte influência portuguesa. De cultura notadamente cartorial, Portugal trouxe para a colônia sul-americana as normas vigentes na Europa e criou ainda uma série de outras, por meio das quais exercia o controle e impunha a dominação sobre o território tão distante. Do colonizador foi herdada também a adoção do civil law, em que se privilegia a interpretação do juiz sobre a lei escrita, em detrimento do common law, mais baseado nos precedentes judiciais.

Democracia em risco constante
O cacoete do intervencionismo estatal foi primeiro herdado e, depois, reforçado pelas ditaduras. A frequente alternância entre os períodos autoritários e democráticos também contribuiu para a cristalização da insegurança institucional na essência do brasileiro, tanto em nível cultural quanto emocional. A constante busca por confiabilidade legal favorece a disposição para criar regras sobre cada aspecto da convivência em sociedade.

Onde o fio do bigode não tem vez
O ponto anterior nos traz a este: o Brasil é o País onde tudo tem que estar por escrito. A sociedade busca garantias na letra fria da lei, mas encontra o inverso: na ânsia de prever tudo em seus mínimos detalhes, acaba-se criando contradições e provocando insegurança jurídica. A isso, soma-se a própria natureza da constituição analítica, que leva à rigidez e à necessidade de constante atualização ao longo do tempo.

Leis: quantidade x qualidade 
Um dos principais critérios de avaliação da atividade parlamentar é a produção legislativa, ou seja, valoriza-se o número de leis propostas, em detrimento de sua pertinência. Premiações e rankings de congressistas misturam os conceitos de qualidade e quantidade e o resultado é uma infinidade de leis de baixa tecnicidade. Essa confusão de conceitos se estende também à educação: o Brasil é o líder mundial em número de faculdades de Direito, com um total maior que a soma de todas as universidades da área de todos os outros países.  

Atropelamento de competências
O Brasil subverte o princípio da subsidiariedade, o qual estabelece que as decisões sejam tomadas pela menor e mais competente autoridade, exercendo o federalismo de cabeça para baixo: da União, para o Estado e só então para o Município. Com isso, o Legislativo, já descredibilizado pela quantidade de leis absurdas, inócuas ou contraditórias que produz, se enfraquece ainda mais, o que leva a um Executivo abusivo, que outorga leis por meio de Medidas Provisórias (MPs), e a um Judiciário disforme, no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) precisa sempre dar a última palavra.

Juliana Bastos apresenta origens do normativismo no Brasil (Imagem: Edilson Dias) Juliana Bastos apresenta origens do normativismo no Brasil (Imagem: Edilson Dias)
Pedro Simon apresenta consequências do excesso de leis para o País (Imagem: Edilson Dias) Pedro Simon apresenta consequências do excesso de leis para o País (Imagem: Edilson Dias)
Plateia assiste às palestras durante reunião do Conselho Superior de Direito (Imagem: Edilson Dias) Plateia assiste às palestras durante reunião do Conselho Superior de Direito (Imagem: Edilson Dias)
Presidente do CSD, Ives Gandra Martins, assiste à apresentação dos conselheiros (Imagem: Edilson Dias) Presidente do CSD, Ives Gandra Martins, assiste à apresentação dos conselheiros (Imagem: Edilson Dias)
Juliana Bastos apresenta origens do normativismo no Brasil (Imagem: Edilson Dias)
Pedro Simon apresenta consequências do excesso de leis para o País (Imagem: Edilson Dias)
Plateia assiste às palestras durante reunião do Conselho Superior de Direito (Imagem: Edilson Dias)
Presidente do CSD, Ives Gandra Martins, assiste à apresentação dos conselheiros (Imagem: Edilson Dias)

Supremocracia
O círculo vicioso das competências invertidas acaba acentuando a tendência do STF a um super protagonismo, porque é chamado a decidir sobre todas as questões do cotidiano. Só em 2022, por exemplo, o Supremo proferiu 89.951 decisões, o que dá uma média de 45 processos por ministro por dia. Destas, quase 86% foram feitas de forma monocrática. Para efeito de comparação, a corte equivalente no Reino Unido julgou 56 processos dos 250 recebidos e na Alemanha foram 413 julgados de 4.968 recebidos. Quem julga muito, acaba julgando mal.

Custo-Brasil e retrabalho
A consequência desse quadro é uma flagrante insegurança jurídica, que leva à desconfiança e à fuga de investimentos, traduzidos pelo chamado custo-Brasil. Entre os 190 países avaliados pelo ranking Doing Business, do Banco Mundial, que avalia os melhores mercados, o Brasil ocupa a 124ª posição, atrás de Uganda, Gana e Senegal. Outra sequela da doença normativista, é a constante necessidade de retrabalho, com decisões tão grandes e fundamentais quanto a Reforma da Previdência, que trancam a pauta do Congresso por meses a fio, já nascendo praticamente obsoletas.

Sociedade participativa
Qualquer princípio de solução de um problema tão intrincado quanto esse começa necessariamente a partir do desejo popular e da participação ativa da sociedade civil. É preciso que a população e o setor produtivo unam forças, exijam, cobrem e direcionem a tal vontade política. Enfim, deve-se compreender que o engajamento na vida cívica não pode ser apenas uma vez a cada dois anos, durante o período eleitoral, mas que o monitoramento deve ser ininterrupto.

Revogaço
A medida mais simples capaz de começar a dissipar a névoa legal que turva o horizonte é promover uma simplificação das leis, compilando temas que se sobrepõem e revogando o excesso. No entanto, problemas estruturais requerem soluções estruturais e só uma ampla reforma política seria capaz de ajustar o funcionamento do parlamento. Diante do gigantismo impeditivo dessa tarefa, uma revisão do federalismo, que concedesse mais autonomia a estados e municípios, já garantiria mais estabilidade.

Fim do ordenamento constitucional confuso
O Direito prevê dois tipos de controle de constitucionalidade, ou seja, de decisão sobre a constitucionalidade das leis e normas: o modelo difuso, ou norte-americano, em que quaisquer juízes e tribunais decidem; e o modelo concentrado, ou europeu, em que apenas juízes e tribunais constitucionais decidem. Já o modelo brasileiro é o confuso, em que ora funciona de um jeito, ora de outro. “Assim, por fim, para resolver a questão do avanço do STF sobre tudo que envolve o dia a dia da vida pública é fundamental redesenhar e garantir a separação entre a jurisdição constitucional, que cabe ao Supremo, e a jurisdição ordinária, de competência das demais instâncias”, concluiu Gandra Martins.

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