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Editorial

O presidente necessário, por Paulo Delgado

Copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP diz que o processo eleitoral se tornou o único episódio concreto para assegurar a estabilidade constitucional da democracia brasileira

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O presidente necessário, por Paulo Delgado

Em artigo, sociólogo analisa "o presidente necessário" para o País
(Arte: TUTU)

Por Paulo Delgado

Ora, veja, eleições são ondas, e o que temos agora é a de ciclo longo que se esgota por culpa de políticos irresponsáveis, percebida pelo eleitor com indignação e indiferença. Ele parece ter razão, pois não vê exceção na estrutura vigente dos arranjos legais, sociais, políticos e econômicos que sustentam a realidade brasileira. Mas se esquece que essa realidade já foi virtuosa e se iniciou com o enorme rearranjo interno e orgânico que foi a guinada neoliberal globalizante a partir de 1990. Seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista comportamental, todos os governos, de esquerda e de direita, da redemocratização para cá, foram liberais e resolutivos, como mandava a cartilha mundial. A insistente crise que chegou na década passada e foi agravada pelos sombrios governos Dilma, acabou com o elã prático da política, seja pela inconsistência partidária que impera, seja pela falta de profundidade do debate político de longo prazo. O risco da eleição é termos a ruptura definitiva desse modelo que enriqueceu o mundo como nunca e estava melhorando a vida no Brasil.

A guerra hoje, em virtude da livre movimentação dos fatores de produção, não é política – é comercial, educacional e tecnológica. O próximo presidente do Brasil precisa se dar conta do nosso papel no mundo se quiser melhorar a vida dos brasileiros, ciente de que a democracia usa a eleição como a mais consagrada fórmula para se criar uma minoria política legítima. Não é aceitável ter um presidente que nada sabe das dificuldades e exigências de seu poder. O bom governante, para representar a todos, precisa se erguer acima da paixão.

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Assim, só um aguçado senso de destino pessoal poderá levar o próximo presidente a ser comedido no seu entusiasmo. Se alguém quer entrar para a história como um bom governante, nada melhor do que uma noção desmistificada de si e do que rege o mundo. A crise entre nós é do Estado, que se deixou usar por presidentes contra a Nação para tornar um poder total, forte, gastador, tributador, monopolista e concentrado em sua folha de pagamento e despesas correntes crescentes. Por isso, se a energia dessa eleição continuar sendo a de querer solucionar problemas aumentando a dependência e a subordinação do cidadão ao Estado, fracassaremos. As políticas sociais devem estar no campo do direito para não reforçar a ideia do benefício como paternalismo e poderem, assim, fundar uma política pública do Estado democrático. É a única forma de deter a violência e acabar com a manipulação da miséria que sempre fez do pobre a principal moeda eleitoral do País.

O fato da probabilidade de existir algum controle político para atividade essencial não significa que ela deva ser estatal. O papel do Estado deve ser o de auxiliar, regulador sem tutela, que estimule o funcionamento de um governo eficiente, justo e parceiro da criação de uma sociedade empreendedora. É essa manipulação primitiva dos serviços públicos que criou o “capitalismo de amigos” e permite a reincidência dos ciclos estatizantes e burocratizadores.

O ciclo eleitoral e as oscilações da política brasileira interferem mais na vida da economia e do comércio do que em qualquer outra época recente. A eleição se aproxima, mas ainda não sabemos se conseguirá impedir que a má política mate o resto de nossa vitalidade econômica. Do ponto de vista interno, um bom governo deve se dedicar a erradicar costumes ruins enraizados na dinâmica institucional que desequilibra a relação entre Estado e sociedade. E um grande desafio político para o novo presidente é conseguir a desconstitucionalização da maioria das leis brasileiras e fundar um novo paradigma de clareza, eficiência e simplicidade. Uma sociedade de contratos, não de cartórios. Por isso, é preciso atenção redobrada em candidatos sem nenhuma proposta partidária ou vinculada a movimentos sociais e econômicos relevantes para dar consistência ou contextualização política às suas ideias. Quem não tem preocupação com a articulação parlamentar para produzir a maioria política que estabilize um governo no presidencialismo, pode não estar bem-intencionado. A maioria simples para governar exige 257 votos; a emenda constitucional, 308. E com desordem partidária, os custos político e moral para formar a coalização vitoriosa vão impor o preço de uma permanente instabilidade. Ninguém sincero deveria poder se considerar independente da desordem partidária. Quem não estrutura sua base de apoio desde já e a consolida legitimada pela urna não pode falar de reforma alguma, revelando desprezo pela autonomia do Congresso e os limites da mediação e da decência institucional.

Estamos numa encruzilhada público-privada. A razão política é uma coisa, a razão do comércio e da indústria é outra. O patamar da confusão está alto porque as profissões produtivas, que geram riqueza a sociedade de classes, foram suplantadas por funções improdutivas de ofícios públicos cada vez mais crescentes que oneram todos, a sociedade dos balcões. O contracheque humilhou a carteira de trabalho.

Do ponto de vista externo, podemos dizer que o mundo é comércio, e a ninguém interessa a estagnação do Brasil. Por isso, ser relevante é ter credibilidade para receber investimentos internacionais e considerar o capital estrangeiro também sócio de nosso progresso. O que se espera é que quem sair vitorioso em outubro tenha o claro compromisso com o máximo de descentralização do Estado para evitar o máximo de sua desestruturação, como ocorre quando as estatais se subordinam ao nível político e desprezam os níveis estratégico e técnico.

Um tema inevitável é a privatização, porque toda essa conversa contra a privatização só existe onde o Estado não é público. Se o Estado fosse Estado para valer, não haveria problema de privatizar e fiscalizar a gestão privada, induzindo-a ao desenvolvimento.

Um bom governo deve buscar acabar com as incertezas doutrinárias que cercam o desprestígio do capitalismo no palanque da política brasileira. A filosofia moral de nosso anticapitalismo é insincera e nos fez mais pobres em experiências exemplares. Temos cada vez menos marcas mundiais, operamos de forma oligopolizada as atividades econômica e financeira. País que não considera o trabalho fonte de toda a riqueza e cultura, tampouco o capital o principal meio de socialização, nunca chegará a vislumbrar um Estado socialmente justo. De um lado, pela falta de bom senso da direita, que não vê defeitos no mercado. De outro, pela má-fé da esquerda, que não vê qualidades. Enquanto essa dicotomia perdurar, podemos dizer que o Brasil é um país que nunca ficará pronto.

O bom presidente precisa estar atento às linhas de força do processo de desestabilização atual para saber estancar a crise política. Há assimetria de objetivos quando a improvisação da política e da Justiça desconsideram o planejamento da economia. O País não pode continuar a viver como se tudo fosse partidário e aprisionado na corrupção. É preciso um claro compromisso institucional de reconciliar o Estado com a ética da previsibilidade e seu papel de educador coletivo.

Por fim, o Brasil cansou desse modelo de governar em que o Estado pode tudo, especialmente nas questões fiscal e tributária, nas quais o imposto é uma punição opressiva sobre a produtividade. O Estado de bem-estar social não é filho automático do Estado fiscal e tributário. Enfim, um presidente necessário não trata o Brasil como uma cômoda, supondo que, pela sua vontade, pode enfiar e tirar o que quiser de suas gavetas.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP
Artigo publicado na revista Problemas Brasileiros, edição especial de setembro de 2018


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