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Editorial

Países devem pensar na importância estratégica de recursos humanos, diz Paulo Delgado

Entre as discussões sobre o Acordo Amplo de Economia e Comércio entre Canadá e União Européia (CETA) e a polêmica para a acolhida de refugiados, Delgado avalia que a paz requer buscar menos a perfeição das utopias

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Países devem pensar na importância estratégica de recursos humanos, diz Paulo Delgado

Segundo Delgado, o Canadá é um país ideal para fazer a ponte internacional em um momento em que muros são elevados e há o refugo dos EUA, sob nova administração, ante à Parceria Transpacífico (PixAbay)

Paulo Delgado

Não há maior abismo atual entre os democratas do que a noção de “direitos”. Os dias estão exigindo perícia para viver no mundo de autoridades distribuidoras de direitos e crises. Mas há um país que não se volta para ele como se tudo fosse perfeito, ou imperfeito, eternamente. O Canadá tem razões que a própria razão desconhece.

“O problema com a ficção é que ela faz muito sentido. Enquanto a realidade nunca faz sentido.” Assim Aldous Huxley começa um de seus livros. Huxley foi dos melhores críticos da liberdade ordenada, o mundo dos que nutrem ódio pela história e incineram no cidadão a memória do passado. Era o ano de 1970 quando Pierre Trudeau, o charmoso Québécois que seduzia os moderninhos da política, viu-se forçado a determinar a aplicação da lei marcial no país que governava. A ação veio em resposta ao sequestro e assassinato de um político da província de Quebec. Fato precedido pelo sequestro de um diplomata britânico. Atos de terror feitos em nome de um Quebec Livre, francófono, fora do guarda-chuva da Commonwealth. A partir dali, o apoio ao movimento separatista, autor dos atentados, caiu e foi ao fim. Até hoje, o Canadá tem rainha: se chama Elizabeth II, a mesma do Reino Unido.

Na última quinta-feira, Justin Trudeau, atual primeiroministro canadense, discursou no Parlamento Europeu. Tal qual seu pai, Justin é um colírio para os fãs, agora totalmente globalizados, contentes ou não com a globalização. Entretanto, o clima público durante a semana em Estrasburgo não era favorável ao triunfo do jovem canadense. A ocasião decorre ria da aprovação do Acordo Amplo de Economia e Comércio entre Canadá e União Européia, conhecido como CETA.

Nos dias precedentes à tal decisão, manifestantes ocuparam as áreas em torno do estranho prédio Louise Weiss, sede do Parlamento Europeu. Proposital ou ato falho, difícil não pensar como é duvidoso o gosto de quem escolheu esse prédio, que mais parece a imagem da Torre de Babel, saída da arte de Pieter Bruegel, para sede de reuniões políticas, de múltiplas línguas, seculares soberanias. Seriam a União Européia (UE) e a atual globalização uma Babel? Afinal, é o que pregam seus inimigos. Enxergada como tal, em que as diferenças das línguas e culturas sobrepõem-se aos interesses sadios comuns, difícil prosperar. Ferida de morte na própria concepção arquitetônica, a UE sobrevive.

Trudeau, o Jovem, vendeu com entusiasmo a ideia de que o acordo entre Canadá e UE servirá de minuta para acordos de livre comércio daqui para frente. Mas alertou que ou o acordo é percebido como funcional para uma maioria, ou é dos últimos a serem aprovados democraticamente.

Dos 74 eurodeputados franceses, apenas 16 votaram a favor do tratado. Trata-se do país que mais rejeitou o aumento do livre comércio com o Canadá. Mais curioso ainda é fato de a votação ter sido vastamente favorável ao CETA. O que amplia os sinais de esgarçamento do posicionamento francês na construção política do futuro da União Européia. A adorable Paris ao virar às costas ao liberalismo, que a fez sedutora, alimenta o apetite do senhor do escuro que ronda a democracia mundial. Os mais entusiasmados com a proposta foram os pequenos Luxemburgo, Eslováquia, Romênia, Estônia e Croácia.

O Canadá é por várias razões um país ideal para fazer essa relevante ponte internacional em um momento em que muros são elevados e há o refugo dos EUA, sob nova administração, ante à Parceria Transpacífico.

Assim, merece elogio a política de imigração do Canadá, a mais proativa do mundo. O país busca regularmente atrair indivíduos e famílias que tenham o perfil previamente definido. Necessário na economia do país e capaz de se adaptar à cultura e ao ambiente local. Ainda que países não sejam firmas, uma boa dose de pensamento sobre a importância estratégica de recursos humanos ajuda. Não só a sedimentar a importância de educar o cidadão nacional, como também o de trazer de fora pessoas que querem e podem melhorar suas vidas e a realidade local. Todo país no Novo Mundo foi criado assim e abandonar isso é apagar da memória nossos avós.

Refugiados são também uma das populações que melhor se direcionam para o Canadá. Grande parte deles chegam ao país, inclusive, através de patrocínio privado de firmas, famílias e pessoas que mantêm o Canadá na vanguarda de tais ações.

Trabalhar para a paz exige buscar menos a perfeição das utopias. A experiência do gelado Canadá mostra que isso é possível. Mas é bom lembrar que pode bem deixar de ser. Especialmente se o mundo insistir nessa vida de colmeia teleguiada, onde todos buscam de forma egoísta todos os direitos como forma de se libertarem de todos os deveres.

*Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense no dia 19 de fevereiro de 2017.

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