Sustentabilidade
31/10/2023PCDs: negócios se engajam mais com inclusão e acessibilidade no ambiente de trabalho
Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP reúne empresas e especialistas para detalhar práticas com resultados benéficos a todos
A empregabilidade e a inclusão de Pessoas com Deficiência (PCDs) no mercado de trabalho têm movido empresas e instituições da sociedade a implementar ações que facilitem o desenvolvimento profissional desses indivíduos, que estimulem o convívio das diferenças dentro do ambiente de trabalho e que permitam aos clientes terem o atendimento adequado às suas necessidades.
Em reunião, o Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) recebeu especialistas e empresários para debater e conhecer estratégias que cada negócio pode implementar, dentro de sua realidade, voltadas à inclusão de PCDs. “A inclusão das pessoas com deficiência é um papel da sociedade e das empresas, não apenas do governo. Quando há PCDs com possibilidade de trabalho e de produção, tê-las afastadas do mercado de trabalho é uma perda. A integração no ambiente de trabalho é uma forma de possibilitar a elas a capacidade de consumo, e as companhias ganham com isso”, avaliou Maria de Fátima, coordenadora do Coexistir – Programa de Inclusão, Diversidade e Transformação para o Varejo, iniciativa de empregabilidade criada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga-SP). O programa surgiu em 2012 a partir da demanda das empresas do segmento do varejo alimentício, que precisavam cumprir as cotas legais de contratação dessa parcela da população, atendendo à legislação.
“Hoje, algumas das companhias que iniciaram o projeto já estão com o cumprimento de cota total. Algumas, inclusive, com uma ação de superar o estabelecido. Outras já contrataram fora da cota. O importante do programa foi a possibilidade de debatermos junto com o segmento o que está na realidade das empresas e os desafios reais que apresentavam, como o processo de contratação considerando competência, habilidade e possibilidades da pessoa”, destacou Maria. E reforçou: “O ideal para a empresa é entender que não se trata de ter vagas para PCDs, pois isso não é uma atividade. As vagas são destinadas a pessoas que tenham o conhecimento para entregar o trabalho em qualquer área e setor — e que dentre suas características esteja a deficiência. Além disso, se a equipe de contratação não está preparada para fazer entrevistas, então, é preciso capacitá-la para que entenda o que diz a legislação, quais recursos de acessibilidade as PCDs necessitam, se há infraestrutura ou se haverá isenção de impostos em determinadas compras”. A coordenadora do Coexistir ainda enfatizou que é preciso pensar em um plano de retenção de talentos que, segundo ela, é o maior desafio dos negócios quando se trata do empregado PCD.
ACESSE AINDA
Inclusão demanda acessibilidade
Luciana Trindade, especialista em direitos da pessoa com deficiência e que atuou no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, apresentou uma análise sociodemográfica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2022, segundo a qual essa parcela foi estimada em 18,6 milhões no Brasil (considerando indivíduos a partir de dois anos), correspondendo a 8,9% da população. Desse total, o perfil era mais feminino (10%) do que masculino (7,7%). “É importante que as empresas tenham esse censo sobre a importância de pensarmos a questão social do profissional com deficiência”, disse.
“A mobilidade até o trabalho é um dos desafios que a PCD enfrenta no dia a dia. Se ela mora no extremo da zona leste e precisa estar às 9h na zona sul, terá que sair de casa muito cedo e enfrentar o horário de pico com todas as outras pessoas. O embarque dentro do transporte público será muito difícil para ela. A questão do mapa social precisa ser levada em consideração pelas empresas, que precisam pensar em horários alternativos para tirar a PCD do horário de pico. Isso é uma forma de, além de refletir sobre acessibilidade, reduzir os danos de acesso dessa pessoa, que chegará menos estressada e angustiada”, argumentou Luciana.
Esse mapa envolve também a conversa com os funcionários com deficiência para entender como eles veem as perspectivas de desenvolvimento profissional dentro da empresa. Além disso, é preciso estar atento à forma que as vagas são divulgadas. “A dificuldade de encontrar candidatos com deficiência pode ser atribuída, em parte, à falta de divulgação das vagas em canais de recrutamento inclusivos. Dentre as 18 milhões de pessoas com deficiência, há um amplo conjunto de talentos disponíveis. No entanto, muitas empresas não adotam estratégias específicas para atrair esse público”, concluiu a especialista.
Linguagem visual é diferencial de acessibilidade
Breno Oliveira, homem surdo e fundador da Il Sordo Gelato — gelateria artesanal de Aracaju (SE) —, explicou como criou um negócio focado na interação entre PCDs e pessoas sem deficiências. A companhia conta com sete funcionários, sendo cinco deles surdos. “A maioria é surda justamente para mostrar à sociedade que existe a comunicação pela Língua Brasileira de Sinais, a Libras, que há possibilidade de estreitar o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. É também possível se comunicar com uma linguagem mais visual, por meio da qual o cliente possa apontar e escrever. Temos recursos e estratégias que facilitam a comunicação”, afirmou.
“Nós, pessoas surdas, vemos o mundo de uma forma diversa, pois nossa experiência visual é maior na ausência da audição. Temos uma cultura diferente, então, precisamos trazer para as empresas esses marcadores de identidade, bem como pensar que, dentro do contexto do negócio, há, sim, a possibilidade de obter taxas de sucesso. Essas pessoas esperam receber o atendimento que consiga proporcionar uma experiência visual enriquecida”, sinalizou Oliveira.
O empresário ainda enfatizou que as pessoas com deficiências auditivas estão mais distantes do mercado de trabalho do que o restante da população: segundo dados do Instituto Locomotiva e da Agência Brasil, cerca de 63% delas não estão ocupadas, além de encontrarem dificuldades com as cotas. “A pessoa surda precisa do uso da língua de sinais, e, na ausência desse canal de comunicação na sociedade, como ela executa, por exemplo, uma entrevista de emprego?”, questionou. “Elas não têm perspectiva de conseguir o emprego, pois são chamadas, mas o processo é na língua oral.”
PLs voltados a PCDs em análise
O Conselho de Sustentabilidade ainda debateu com as empresas presentes três Projetos de Lei (PLs) voltados a garantir mais acessibilidade e ampliar os direitos da PCD. Confira a seguir.
Estacionamento para idosos e PCDs (PL 762/2023): visa obrigar estabelecimentos comerciais a conceder gratuidade no estacionamento, de até 10% das vagas, para pessoas idosas, com deficiência e aquelas com renda familiar mensal de até um salário mínimo.
Preferência em férias para o trabalhador PCD (PL 1.242/2022): conforme o substitutivo do texto, apresentado pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, pretende-se alterar a CLT e o Estatuto da Pessoa com Deficiência para assegurar a preferência, abrangendo ainda o trabalhador que tenha filho ou pessoa com deficiência sob sua responsabilidade.
Incentivo à abertura de empresas por PCDs (PL 2.555/2023): por meio do uso de recursos de operações de crédito atualmente destinadas à população de baixa renda e microempreendedores, assim como o crédito do Pronampe.
A FecomercioSP está avaliando o PL 1242/2022 no âmbito do seu Conselho de Emprego e Relações de Trabalho, antes de encaminhar uma leitura das propostas aos relatores no Congresso. No momento oportuno, a Federação dialogará com os parlamentares a respeito dos pontos positivos e das necessidades de aprimoramentos dos textos, visando a mais segurança jurídica.