Editorial
16/01/2025Perspectivas 2025: dez olhares para o novo ano
Revista Problemas Brasileiros reúne especialistas para responder quais são as dificuldades e as oportunidades que aguardam o Brasil nos próximos 12 meses
A Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), reuniu dez especialistas em suas respectivas áreas de conhecimento em torno de uma pergunta: o que esperar de 2025? As respostas foram tão diversas quanto as dificuldades e oportunidades que aguardam o Brasil nos próximos 12 meses. Dentre as principais preocupações, os entraves para o crescimento, a busca por soluções que minimizem os efeitos das mudanças climáticas e a polarização, na política e no convívio em sociedade. Olhando por outro prisma, são esperados avanços no combate às doenças infecciosas, no uso prático e mais disseminado da Inteligência Artificial (IA) e na discussão sobre o bem-estar de crianças e adolescentes no ambiente escolar.
Muitas das reflexões dos entrevistados revelam as dicotomias que definem o nosso tempo. Enquanto a IA generativa acelera tarefas, há retrocessos em áreas essenciais, como a queda na cobertura vacinal, o que pode reintroduzir doenças praticamente erradicadas. No quesito clima, a urgência da transição energética contrasta com o potencial ainda inexplorado do País para liderar um movimento global de descarbonização. O sucesso dessa missão dependerá de uma colaboração efetiva entre os diversos agentes envolvidos. Assim, 2025 desponta como um ano em que se espera uma maior integração entre tecnologia, sociedade, políticas públicas, meio ambiente e saúde, com o potencial de moldar um futuro mais sustentável.
“O mundo está em risco total”, afirma, pessimista, o cientista Carlos Nobre, um dos principais nomes no mundo quando o assunto é crise climática. Diante das sucessivas — e cada vez mais fortes — ondas de calor que atingem o planeta, e das queimadas que assolaram parte relevante do território nacional em apenas dois meses, ele é categórico: as metas de redução de emissões precisam ser antecipadas.
Há mais de um ano, a temperatura média global está 1,5°C acima do registrado antes da Revolução Industrial. Se esse patamar persistir em 2025, há um risco exacerbado de chegarmos ao ponto que a comunidade científica imaginava que a Terra atingiria apenas entre 2033 e 2035. E por que a preocupação? “É uma antecipação perigosa. Mostra que as metas estipuladas no Acordo de Paris e nas COPs [Conferências das Nações sobre Mudanças Climáticas] 26 e 28 podem ser insuficientes”, reforça. Nobre lembra que um dos compromissos da edição 26, em 2021, era reduzir em 42% as emissões em comparação a 2019 e zerá-las até 2050, o que seria suficiente para limitar o aumento da temperatura de 1,5°C a 2°C até 2050.
No entanto, um planeta 1,5°C mais quente, mesmo que ainda não seja algo permanente, já causou recordes de eventos extremos. A persistência desses patamares exige uma rápida redução das emissões para chegar ao net zero (redução a zero das emissões líquidas de Gases de Efeito Estufa — GEEs) antes de 2050. Isso pode evitar o ponto irreversível, um “ecosuicídio” do planeta, nas palavras do próprio Nobre.
Algum refresco pode vir do La Niña, fenômeno climático que tem como efeito o resfriamento das águas do Oceano Pacífico. Contudo, o evento deve ocorrer em uma intensidade entre fraca e moderada, o que não será suficiente para reverter o aquecimento já registrado. Então, é fundamental, em nível mundial, diminuir o uso de combustíveis fósseis. No Brasil, país menos dependente do recurso natural, o desafio é zerar o desmatamento e adotar pecuária e agricultura regenerativas. Ademais, no curto prazo, combater as queimadas, muitas delas criminosas. “Se, no ano que vem, durante a COP30, em Belém, o nível de queimadas for o mesmo, o mundo inteiro vai cobrar o País”, alerta.
O que há pouco tempo ainda parecia coisa de ficção científica se tornou realidade: a Inteligência Artificial (IA) saiu dos laboratórios e chegou ao cotidiano, do trabalho ao lazer. Na mídia, o assunto saiu das páginas de tecnologia e se tornou constante em outras editorias, da política ao comportamento. Ainda assim, só para 2025 é esperada uma maior aplicabilidade das ferramentas gerativas, que vão muito além do ChatGPT. A avaliação é de Eduardo Salvalaggio, especialista no tema e CEO da Dishubtive. Segundo ele, o Comércio e, principalmente, a Indústria logo começarão a tirar proveito da ferramenta. “A IA generativa já permite reescrever a descrição de um produto ressaltando os atributos que o consumidor mais valoriza. É a época da hipersegmentação e da hipercustomização”, afirma. Salvalaggio — que lançou o primeiro curso sobre o assunto no Brasil — acredita que o comércio eletrônico já deu passos importantes na aplicação da IA e logo será corriqueiro apresentar produtos informações e cenários próximos às preferências do consumidor.
Na Indústria, uma das aplicações mais aguardadas é o uso da IA na sugestão de paradas programadas em máquinas e linhas de produção. No entanto, para isso ser realidade, as empresas precisam de profissionais com repertório para avaliar e pôr em prática as sugestões da ferramenta. “É uma tecnologia que funciona como um booster: o ser humano dá algumas informações e a IA responde. Quanto mais dados você fornecer, maior será o retorno. Com um profissional bem treinado, a máquina é mais produtiva”, avalia.
Diante de avanços que impressionam, o especialista chama a atenção para uma questão preocupante: com a popularização da IA, um dos maiores desafios da sociedade é (e será) a disseminação de fake news.
Ao longo de 2024, as discussões sobre os rumos da economia brasileira fincaram o pé no equilíbrio fiscal — e de lá não devem sair tão cedo. Outros indicadores tradicionais para sentir o clima do dinheiro, como juros e inflação, serão pautados pela forma como o governo cuidará das contas. A avaliação é do economista Raul Velloso, uma das maiores autoridades em orçamento público do País. “Há uma preocupação com a evolução da dívida pública, e isso não vai sair do radar. Diante da percepção de maior endividamento, o mercado financeiro vai cobrar”, afirma.
Segundo Velloso, o que está sob o escrutínio dos diversos agentes econômicos é a capacidade do governo de entregar um resultado primário positivo, ou seja, que as receitas superem as despesas e, principalmente, a dinâmica do crescimento dos gastos. Essa é a grande questão, aponta o economista.
O novo arcabouço fiscal, em vigor desde meados de 2024, estabelece que o resultado primário pode oscilar até 0,25 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB), para mais ou para menos. Mas há dificuldades para cumprir essa meta, principalmente em decorrência dos custos com aposentadorias e benefícios sociais. Para se ter uma ideia, em 1987, os gastos assistenciais e com a Previdência Social representavam 28% das despesas do governo, fatia que saltou para 68% em 2021. E não parou por aí: só entre janeiro e julho de 2024, o ritmo de crescimento desses gastos foi de 4,7%, já descontada a inflação. “E não há perspectiva de alívio, uma vez que a população brasileira está envelhecendo, o que aumenta esses custos, sem as receitas”, lembra o economista.
Se a meta é que os gastos cresçam no máximo 2,5%, mas as despesas com maior peso no orçamento sobem num ritmo duas vezes maior, a conta não fecha. “É um objetivo ambicioso. Se o governo não adotar medidas, como combater fraudes, haverá uma pressão para que os juros subam, o que tem efeitos em toda a economia.”
O mercado de carros elétricos no Brasil deve quintuplicar até 2027, mostra relatório da Bloomberg New Energy Finance (BNEF). Somente em 2024, as vendas cresceram mais de 100%, segundo a Associação Brasileiro do Veículo Elétrico (ABVE). Além desses dados, o potencial nacional para se tornar uma base exportadora a toda a América Latina, faze parte do checklist de motivos que trouxeram a montadora chinesa Great Wall Motors (GWM) para o País, onde deve inaugurar uma fábrica ainda no primeiro semestre de 2025. “Mesmo nos momentos mais difíceis, o mercado brasileiro sempre está entre o quinto e o oitavo no ranking mundial, tanto em produção quanto em vendas, e há uma excelente base de fornecedores, com alta capacidade tecnológica”, explica Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais e Governamentais da GWM Brasil. Outro fator que inseriu o País na rota de interesse da montadora chinesa é a sua matriz energética, uma das mais limpas do mundo.
A fábrica será instalada em Iracemápolis, em São Paulo, onde antes havia uma fábrica da Mercedes-Benz. A instalação contrasta com um dado importante: a Indústria, que chegou a gerar quase metade de toda a riqueza do País, hoje, participa com menos de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB). Especialistas apontam que a corrida pela descarbonização pode ser uma oportunidade para reverter essa desindustrialização. A GWM segue a conterrânea BYD, que deve iniciar a produção em Camaçari, na Bahia, no início de 2025, onde anteriormente existia uma fábrica da Ford.
Contudo, o potencial visto pelas chinesas contrasta com questões perenes que mantêm, ano após ano, o ambiente de negócios desafiador para quem quer investir. Segundo Bastos, a primeira delas é a complexidade do sistema tributário, que ainda não sente os efeitos da recente reforma. Há, ainda, a insegurança jurídica. “Falta previsibilidade quanto às regras do setor”, afirma. Um exemplo é o aumento do imposto de importação de carros elétricos, que está sendo cobrado de forma escalonada até 2026.
O ano de 2025 não é de eleição. Ainda assim, o “esquenta” para a corrida presidencial, que só acontece mesmo no ano seguinte, deve marcar o debate político ao longo do ano, com acirramento da polarização política e crescimento do discurso antissistema, afirma o cientista político Claudio Couto. Segundo ele, essas discussões devem ganhar os holofotes mesmo diante de debates urgentes de pautas importantes para o País, como a regulamentação da Reforma Tributária. “A polarização vai não apenas se manter, como também se intensificar. Não vejo caminho, no momento, para romper essa tendência”, prevê Couto. “Vamos ter de conviver com essa oposição, figuras que discursam contra o sistema devem ganhar espaço, sempre no espectro mais à direita”, completa. Uma das razões para a escalada dessa polarização está no avanço dos processos que investigam os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que devem culminar no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de alguns de seus aliados.
Na avaliação de Couto, políticos "antissistema", como o candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, e o próprio Bolsonaro de 2018, contam com o apoio da parcela mais conservadora da população, que viu os próprios valores confrontados com o avanço de pautas progressistas em anos anteriores. Em contraste, a esquerda enfrenta uma crise de representatividade e força. Desde a deflagração da Operação Lava Jato, a recessão de 2015 e o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, os partidos de esquerda não conseguem recuperar espaço. De acordo com Couto, a nova configuração política do País reforça a ideia de que o conservadorismo é uma tendência sólida na sociedade brasileira, que se opõe às pautas progressistas e identitárias, e é mais facilmente mobilizada por políticos de direita.
A dinâmica de poder entre as nações está em constante transformação — e não é mais possível falar em relações internacionais sem inserir a pauta ambiental no centro do debate. Assim, o Brasil terá, em 2025, a chance de se consolidar como o principal interlocutor da transição energética no mundo, mas também terá que lidar com temas sensíveis na sua agenda internacional. A avaliação é de Dawisson Lopes, especialista em política internacional e pesquisador sênior no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Lopes ressalta que, apesar de protagonista quando o assunto é clima, o País patina na busca pelo fortalecimento da América do Sul em âmbito global. Além disso, adotou posições menos alinhadas com o Ocidente em relação aos grandes conflitos em andamento — Ucrânia e Oriente Médio. “O Brasil buscou uma posição independente. Condenou a invasão da Rússia, mas foi pragmático e não houve sanções. E condenou o ataque do Hamas, em outubro de 2023, mas critica a reação de Israel, o que incomoda as nações que estão no guarda-chuva da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte]”, analisa o pesquisador. Outro tema sensível para o Brasil são os esforços para tornar a América do Sul uma região de maior destaque. Nesse front, o País deixou de contar a Argentina, segunda maior força da região, hoje sob o governo de Javier Milei, que não compartilha do mesmo desejo de governo brasileiro.
De qualquer modo, o trabalho nacional para uma maior relevância regional deve ficar em segundo plano, pois o tema que deve dominar a relação do País com o exterior, em 2025, é a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que será realizada em Belém, no Pará. É nesse palco que o governo deve angariar apoio para o financiamento de uma transição energética que possibilite a inclusão de países menos desenvolvidos. “O Brasil é, de longe, o país com a matriz energética menos poluente. No encontro, teremos vitrine para mostrar as condições de sermos uma potência quando se trata de governança ambiental”, conclui Lopes.
O Brasil registrou um número recorde de casos de dengue em 2024: mais de 6 milhões de pessoas contraíram a doença, provocando 4 mil mortes. Mas a situação crítica enfrentada pelo País, especialmente nos primeiros meses do ano, parece não ter servido de alerta. As doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti — que incluem também a zika e a chicungunha — vai desafiar, mais uma vez, as autoridades em 2025. O alerta é do médico infectologista David Uip, que já foi secretário de Saúde de São Paulo e que esteve na coordenação da covid-19 no Estado. “A vacina não vai conseguir cobrir toda a população, tampouco há previsão de condições climáticas diferentes. Com isso, o número de casos não deve diminuir”, avalia. Diferentemente do mosquito, outra ameaça é invisível a olho nu, mas também desafiadora: as bactérias super-resistentes. Na projeção de Uip, esses organismos podem ser responsáveis por 39 milhões de mortes no País até 2050.
E se a dengue deve continuar no noticiário, e as bactérias não combatidas com os antibióticos preocupam, Uip, felizmente, vê com otimismo a melhoria do enfrentamento das doenças infecciosas, muito por causa dos avanços nos diagnósticos moleculares, como os testes de PCR, e os histopatológicos, que são aqueles que estudam tecidos de seres vivos (biópsias).
No entanto, ainda há dois tópicos importantes de atenção: o combate ao negacionismo e o fortalecimento da divulgação científica de qualidade. Um exemplo do médico é o retrocesso da cobertura vacinal, que passou de 95% para apenas 67,5% — o que pode trazer de volta doenças erradicadas, como a poliomielite —, e elevou o contágio de outras, como o sarampo. “Essa redução é um drama não só no Brasil. Há grupos que claramente são contra as vacinas, e isso é inadmissível. A imunização é um bem pessoal, mas também um bem para toda a população”, argumenta.
O recente caso de suicídio de um adolescente negro e bolsista num colégio de elite de São Paulo reacendeu o debate sobre saúde mental e bullying, pauta que deve se manter forte em 2025. A avaliação é de Luciane Tognetta, pesquisadora e autora de obras sobre violência no ambiente escolar. Segundo ela, o desempenho acadêmico deve andar ao lado da construção de espaços saudáveis. “Não é possível ter bons resultados sem o que se chama de bem-estar emocional. Nesse sentido, a escola vai precisar favorecer o convívio positivo e o conforto dos alunos para que haja bom desempenho”, afirma.
A preocupação com o tema é reforçada pela Lei 14.811, de 2024, que criminaliza o bullying, definido como intimidação sistemática por meio de violência física ou psicológica. Com a lei, tanto o autor das agressões quanto a escola onde os atos ocorreram podem ser responsabilizados. “A escola forma o indivíduo e não deve focar apenas em questões acadêmicas. Assim como se ensina matemática e outras disciplinas, a convivência também deve ser um objetivo de aprendizado”, afirma Luciane. Ela ressalta que os países que mais avançaram na criação de um ambiente escolar benéfico foram os que adotaram políticas públicas e planejamento para combater o bullying e a violência.
O assunto também está no radar da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a incidência de ansiedade entre crianças e jovens já supera a dos adultos. Para a pesquisadora, a saúde mental dos alunos deve ser tratada com a mesma seriedade do que o bullying, já que ambos se desenvolvem de forma paralela. “Um dos grandes tópicos da Educação é o aumento do sofrimento emocional entre as crianças, motivado por atos de violência, muitas vezes velados.”
Formação contínua dos educadores, programas de apoio psicológico e promoção de um espaço inclusivo são fundamentais para garantir uma escola mais propícia ao ensino de qualidade, em suas múltiplas abordagens.
Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.
A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.
Inscreva-se para receber a newsletter e conteúdos relacionados
Notícias relacionadas
-
Imprensa
Desafios da educação num mundo tecnológico e multicultural
O papel da escola é “educar para a diferença”, diz David Justino, ex-ministro da Educação de Portugal
-
Economia
Relações internacionais desafiam novo governo dos Estados Unidos
EconomiaDólar alto exigirá mais cautela das empresas
EconomiaMarco Legal da IA gera riscos de judicialização