Economia
12/12/2018Problema fiscal está enraizado em interesses políticos, diz FHC em evento
Durante o “III Fórum: a mudança do papel do Estado”, ex-presidente da República diz que próximo governo precisa impor agenda de ajuste fiscal ao Congresso
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que Executivo precisa liderar processo de equalização das contas públicas
(Foto: Anderson Rodrigues/Perspectiva)
Por Eduardo Vasconcelos
Para resolver o problema das contas públicas, o governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, deve impor a agenda de ajuste fiscal ao Congresso Nacional, uma vez que o orçamento público foi dominado por grupos de interesses. A afirmação é do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso durante o “III Fórum: a mudança do papel do Estado”, realizado na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), nesta quarta-feira (12).
O evento foi promovido por FecomercioSP, UM BRASIL, Columbia Global Centers | Rio de Janeiro, Fundação Lemann, Revista Voto e Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças. Com a participação de autoridades, estudiosos e empresários, os debates seguem no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (13), na Casa das Garças, para um público restrito.
Questão política
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparou o atual desafio do déficit fiscal ao de estabilizar a inflação durante a implementação do Plano Real (1994) e de seu primeiro mandato no Palácio do Planalto. “Em cada momento histórico, o País tem que escolher o que é mais desafiador para combater”, comentou. “A dificuldade fiscal é enorme e está enraizada em interesses não só econômicos, mas também políticos”, completou.
Fernando Henrique Cardoso ressaltou que o Executivo federal tem de liderar o processo de equalização das contas públicas. Do contrário, dificilmente o quadro fiscal mudará. “O Congresso só funciona na medida em que a agenda é dada pelo Executivo. O Legislativo não tem agenda, nunca teve. Se não for imposta, o Congresso fica no 'toma lá, dá cá'”.
Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, destaca que economia brasileira está em fase de recuperação cíclica após crise
(Foto: Anderson Rodrigues/Perspectiva)
Para o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, embora integrantes do próximo governo brasileiro concordem com especialistas em relação à necessidade de erradicar o déficit das contas públicas para que o Brasil volte a crescer de maneira sustentável, o problema está no fato de que não há consenso político sobre a forma de fazer o ajuste fiscal. Essa situação, segundo ele, exigirá que o governo do presidente eleito faça um trabalho de convencimento no Congresso Nacional, possivelmente tendo que formar uma coalizão, de modo que possa viabilizar a implementação de medidas que reduzam os gastos públicos.
“Em finanças públicas, tudo parece consensual, mas não é. Quando você coloca as propostas na mesa, não é consensual de forma nenhuma”, afirmou Almeida.
O secretário do Tesouro Nacional, cuja permanência no cargo está confirmada no próximo governo, ressaltou que a economia brasileira está em fase de recuperação cíclica após a crise. Contudo, alertou que, se o ajuste fiscal não for feito, a economia pode voltar a enfrentar uma recessão em um período de cinco anos, e que só há duas formas de corrigir o desequilíbrio financeiro do setor público: aumentando a arrecadação ou reduzindo as despesas.
“Queremos acreditar que há um consenso para o ajuste das contas públicas, mas a minha experiência mostra que não existe. Precisamos colocar mais os dados na mesa de forma clara. Se não fizermos isso, lá na frente teremos que elevar a carga tributária ou conviver com mais inflação”, salientou, citando que a maioria dos Estados gasta mais de 60% do orçamento com o pagamento de servidores, incluindo aposentadorias e pensões, e que a capacidade de investimento do governo federal tem caído em função do aumento gradativo das despesas obrigatórias.
O nó da Previdência
O especialista em Previdência Social e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Paulo Tafner, mostrou que, atualmente, os gastos com aposentadoria e pensão equivalem a 14% do Produto Interno Bruto (PIB) e consomem 50% do orçamento da União.
“Uma Reforma da Previdência tem de ter potência fiscal, que é ter capacidade para reverter a trajetória da dívida pública. Assim, mudanças no sistema previdenciário não podem ser financiadas com aumento da carga tributária, mas também não se pode pensar em perder receita neste momento”, explicou.
Equacionando as contas públicas
A market leader da Oliver Wyman e ex-secretária da Fazenda do Estado de Goiás, Ana Carla Abrão, destacou que a preocupação com as finanças públicas não se resume ao déficit federal. Ela comentou que a situação das contas estaduais está pior do que as da União, reforçando que os gastos com pessoal superam o limite determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal em algumas unidades da federação.
“O modelo de máquina pública gera naturalmente o aspecto que temos hoje. Mesmo que o gestor público não faça nada, a folha salarial cresce 5% ao ano, em alguns casos, 7%. Há progressões salariais automáticas desvinculadas de produtividade, que, consequentemente, geram um crescimento vegetativo da despesa com pessoal”, esclareceu Ana Carla.
Últimos anos mostraram efeitos de uma crise que escancarou a fragilidade da economia e de um Estado gigantesco e endividado, diz vice-presidente da FecomercioSP Francisco De La Tôrre
(Foto: Anderson Rodrigues/Perspectiva)
O vice-presidente da FecomercioSP, Francisco De La Tôrre, reforçou a necessidade de equacionar as contas públicas para que o Estado recupere a capacidade de investimentos – condição comprometida pelo déficit fiscal –, e o crescimento econômico impulsione a geração de empregos.
“Os últimos anos mostraram os efeitos de uma crise que escancarou a fragilidade da economia do País e de um Estado gigantesco e endividado. Não há mais tempo para manobras desajustadas que insistem em manter o Brasil fora dos mecanismos econômicos praticados pelos países desenvolvidos. Não há dúvida de que as mudanças são necessárias, a começar pelo ajuste fiscal”, frisou De La Tôrre.
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