Legislação
19/11/2025Projeto que dá poderes ao Cade na fiscalização das Big Techs pode desestimular atividade econômica e sobrepor legislações já existentes
Tramitação apressada, sem debate amplo com as empresas, prejudica debate sobre impactos setoriais do PL, alerta FecomercioSP
Aumento de custos regulatórios, insegurança jurídica, desestímulo à inovação e perda de competitividade da economia. Esses são alguns dos reflexos que o Projeto de Lei (PL) 4.675/2025 — que regulamenta os mercados digitais no Brasil — pode causar. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por meio de seu Conselho de Economia Digital e Inovação, alerta que, se aprovado como está, o PL poderá afetar toda a cadeia de fornecedores e consumidores, especialmente startups e empresas de médio porte, afastando capital e reduzindo investimentos.
Solicitado para tramitar em regime de urgência, o projeto, de autoria do Executivo, altera a Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) para incluir a Superintendência de Mercados Digitais (SMD) na estrutura do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e autorizar ações preventivas e regulatórias sobre plataformas e empresas digitais de grande porte, podendo impor obrigações e supervisionar diretamente suas atividades.
Embora o projeto tenha sido concebido com o objetivo de modernizar a política antitruste, será prejudicial aos negócios, uma vez que causará aumento de custos e incertezas acerca do alcance e dos critérios de aplicação. Além dessas questões, a FecomercioSP ainda ressalta preocupações com a sobreposição regulatória, o enfraquecimento do Cade e a excessiva intervenção do Estado na atividade econômica.
Tramitação apressada prejudica o debate
A FecomercioSP, por meio do seu Conselho de Economia Digital e Inovação, manifestou-se contrária à tramitação do PL em regime de urgência, em ofício encaminhado ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. A Entidade ressaltou que a pressa na apreciação do projeto impede o debate técnico e democrático necessário a respeito de um tema de alta complexidade e efeito transversal para o setor.
Para a Federação, é indispensável que sejam realizadas análises de impacto regulatório e audiências públicas com participação dos setores afetados, além de especialistas e reguladores. A FecomercioSP também chama a atenção para a necessidade de uma regulação digital moderna, que fortaleça a concorrência e a inovação, sem transformar o controle de mercados digitais em instrumento de intervenção política ou de restrição à livre-iniciativa.
Vale destacar o contexto internacional recente, no qual países vêm revisando legislações justamente por constatarem que regras preventivas amplas demais reduziram a inovação e o dinamismo econômico — a exemplo do que ocorre com a legislação da União Europeia sobre mercados digitais (Digital Markets Act — DMA).
Intervenção política e fragilização do Cade
Na avaliação da FecomercioSP, ao prever que o chefe da Superintendência de Mercados Digitais será indicado pelo presidente da República, o PL fragiliza a autonomia técnica do Cade, conferindo caráter político a um cargo de natureza técnica e com poderes para instaurar processos, aplicar sanções e definir obrigações, sem supervisão colegiada.
Além disso, o PL também amplia, de forma excessiva, na opinião da Federação, o poder discricionário do Executivo ao permitir ajustes de limiares de faturamento por ato ministerial conjunto e ao prever “obrigações especiais” que podem interferir diretamente nos modelos de negócios privados — inclusive com exigências de interoperabilidade e acesso a dados antes de qualquer comprovação de abuso. Essa abordagem, lembra a Entidade, contraria os princípios constitucionais da proporcionalidade e do devido processo legal.
Excessos de normas estimula contradições
Além de todos os problemas já apontados, há ainda preocupação quanto à sobreposição de normas. O País já dispõe de instrumentos jurídicos eficazes para coibir abusos e promover equilíbrio de mercado — como o artigo 36 da Lei 12.529/2011, que tipifica condutas anticoncorrenciais e confere ao Cade competência plena para apurar infrações à ordem econômica.
Há ainda a Lei 13.709/2018 (LGPD), que, em seus artigos 6º, 7º e 18, disciplina transparência, tratamento e compartilhamento de dados; e a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que regula, nos artigos 6º, 31 e 39, deveres de informação e de publicidade, além da vedação de práticas abusivas.
A criação de novas obrigações, sem coordenação expressa da ANPD e de demais reguladores setoriais, eleva, portanto, o risco de decisões contraditórias e de conflito de competências. A FecomercioSP seguirá acompanhando o debate e analisando os impactos econômicos e institucionais da medida, além de apresentar recomendações para assegurar um ambiente digital competitivo, inovador e juridicamente equilibrado.