Editorial
08/05/2018Quase nada a comemorar, por Mariana Aldrigui
Presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP analisa em artigo a situação preocupante do turismo no País
Falta de atenção com o setor é sentida na comemoração do Dia Nacional do Turismo, data que passa despercebida
(Arte: TUTU)
Por Mariana Aldrigui
Dia 8 de maio é considerado o Dia Nacional do Turismo, no Brasil. Entre centenas de outros “dias nacionais”, é mais um que passa quase que totalmente despercebido. A data é fruto um projeto de lei de Max Rosenmann, apresentado em 2007 e publicado no Diário Oficial da União em 9 de maio de 2012, pela Lei n.°12.625, de 9/5/2012. A justificativa da criação do dia, que consta do projeto original – mas não da publicação da lei –, é que em 8/5/1916 o aviador Alberto Santos Dumont se reuniu com o então presidente do Paraná a fim de convencê-lo da necessidade de desapropriar as terras onde estavam as cataratas do Rio Iguaçu, pertencentes a um cidadão uruguaio, e torná-las um parque aberto à visitação pública. As terras foram desapropriadas três meses depois, porém, o Parque Nacional do Iguaçu foi criado oficialmente somente em 1939, ou seja, 23 anos depois.
As buscas nas plataformas digitais de pesquisa revelam pouco (ou praticamente nada) da real motivação da origem dessa data, e não é difícil acreditar que foi mais um movimento de pouca expressão de nossos legisladores. Além disso, até 2012, ano da publicação da lei, documentos (cuja fonte é questionável) apontam para o dia 2 de março como o dia a se comemorar essa atividade econômica relevante ao Brasil. Há 25 anos atuando no setor, nunca ouvi nem sequer participei de comemorações da data – nem em março, tampouco em maio. Pelo contrário, diferentes empresas e entidades participam da celebração conjunta do Dia Mundial do Turismo, em 27 de setembro, especialmente em função da relevância da atividade quando envolve turistas estrangeiros e a entrada de recursos para o País.
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Estaríamos em outro tipo de discussão se, com o decreto de um Dia Nacional do Turismo, houvesse também espaço e tempo, nos veículos oficiais de comunicação, para destacar o significado do setor para a Nação, sem números inventados. Há anos convivemos com estimativas e projeções equivocadas, que levam empresários a tomar decisões de investimento que acabam sem o retorno projetado, justamente por confiar nas informações disponíveis.
Há mais tempo ainda, aceitamos que profissionais sem as devidas qualificações e comprovação de experiência se arvorem no papel de consultores, indicando o que deve ser feito em termos de gestão pública, e direcionando equivocadamente os parcos recursos disponíveis. Projetos sem critérios técnicos, sem elementos que permitam avaliar seus resultados e, em sua maioria, sem nenhum resultado efetivo para os locais onde são “implementados”.
Desde 2003, representantes do governo federal anunciam programas e projetos que trarão mais empregos e mais turistas. Já se falou em 9 milhões de turistas estrangeiros. Hoje, o mais recente Plano Nacional de Turismo estima que chegaremos a 12 milhões em 2022, ou seja, um crescimento de 100% em quatro anos, quando a média do crescimento mundial é de 4% ao ano. Estamos estagnados nos 6 milhões, e parece improvável um aumento de infraestrutura em tão pouco tempo que permita tal crescimento. Mais ainda, o mesmo documento afirma que serão gerados 2 milhões de novos empregos no setor, mas é incapaz de indicar onde, como e em quais condições tais postos serão criados.
Mais preocupante ainda é perceber que o orçamento federal para a pasta representa hoje apenas 5% do que um dia já foi alocado para os programas de estímulo à atividade. E quando se destrincha a forma como os recursos foram utilizados, percebe-se a incoerência entre o que se fala nos discursos, o que se escreve nos planos e o que acontece nos poucos destinos onde os projetos acontecem.
Na disputa pelos parcos recursos, a discussão da promoção internacional e da mudança na transformação da Embratur ocupa um tempo valioso, e argumentos frágeis vão sendo transformados em verdades absolutas – poucos, porém, conseguem explicar qual é a razão entre valores gastos e retorno em turistas e muito menos a lógica de se prestigiar mercados distantes e sem interesse no Brasil quando os vizinhos do Mercosul estão ampliando seus gastos com viagens no continente.
O Dia Nacional do Turismo deveria, junto com todos os outros, ser um dia para refletir sobre o quanto é necessário abrir mão do achismo e das frases feitas, há muito tempo repetidas, e começar a trabalhar seriamente pelo setor – identificando sua real dimensão e sua capacidade de geração de emprego para diferentes tipos de pessoas e qualificações, a imediata redistribuição de renda que acontece com a chegada de mais visitantes e a capacidade efetiva de preservar os recursos naturais e culturais de um dado local.
Há diversos pontos que precisam ser abordados seriamente, com os devidos referenciais técnico e teórico e a necessária adaptação ao contexto brasileiro – jurídico, tributário e cultural, fundamentalmente. Ampliar a discussão sobre a flexibilização dos vistos e entender que mais turistas trarão, também, mais investimentos. Repensar seriamente a questão da liberação dos jogos e seus efeitos nas camadas menos favorecidas da população. Estimular as iniciativas da economia criativa e compartilhada. Mapear os entraves burocráticos para atração de mais investimentos estrangeiros, ao mesmo tempo em que se dê maior acesso ao microcrédito aos pequenos empreendedores do setor. Inserir as questões do acolhimento dos visitantes em todos os aspectos do planejamento e desenvolvimento da infraestrutura, para que percebam que viajar por aqui é possível e seguro.
Em ano de eleição, tão definitivo para os rumos nacionais, quem sabe seja possível repensar as forças que movem a economia e elevar o turismo ao patamar em que ele deve estar: entre os principais geradores de emprego e distribuidores de renda no Brasil.
*Mariana Aldrigui é Presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP
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