Legislação
22/04/2024Reforma do Código Civil entra em debate
Discussões e propostas na FecomercioSP sobre anteprojeto buscam a evolução de questões relacionadas à família, à dissociação empresarial e à transformação digital
No mesmo dia em que foi apresentado ao Senado Federal (17/4), o texto do anteprojeto de Reforma do Código Civil teve conteúdo discutido por especialistas durante o encontro do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), presidido pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins.
A ocasião contou com a participação do desembargador federal e ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3° Região, Mairan Gonçalves Maia Júnior, que chamou a atenção para alterações quanto a demandas relacionadas à família e à dissociação empresarial. “Temos um hiato desde a última reforma [há mais de 20 anos]. O código precisa de atualização. A evolução no comportamento da sociedade traz efeito em todas as áreas: nas relações obrigacionais, na sociedade civil, nos direitos e deveres da família e na sucessão patrimonial.”
O instituto do fideicomisso foi um dos destaques. Trata-se de uma condição que o testador (quem faz o testamento) determina ao beneficiado. Se descumprida, ele é obrigado a repassar a herança a um terceiro, ou seja, uma substituição testamentária. De acordo com Maia Júnior, a previsibilidade do fideicomisso por atos intervivos — quando a doação é feita durante a vida do testador — necessita de mais esclarecimentos a respeito dos critérios da transação. “Por quanto tempo estará em vigor? Quais os direitos das partes?”, questionou. Além disso, reforçou que a medida, se aprovada, será contra a própria natureza da disposição testamentária. “Se a norma tem como objetivo promover a segurança, não podemos abrir válvulas de escape que possibilitem justamente o oposto do que se deseja”, reiterou.
Maia Júnior citou, ainda, o divórcio unilateral, extinguindo, nesse caso, o regime de bens acordado no matrimônio: “Qual é a segurança desse dispositivo para as relações pessoais?”.
No que se refere à dissociação de contratos sociais, o especialista explicou que a aplicação do método de apuração de haveres não se adapta a todas as sociedades e que o patrimônio, em muitos casos, sofre modificações dos valores desde o início da formação. Portanto, seria de fundamental importância um aprimoramento da norma.
Segurança ou insegurança jurídica?
O capítulo “Direito Digital” foi explorado por Rony Vainzof, especialista na área e consultor da FecomercioSP. De acordo com o advogado, o texto, da forma que está, oferece mais insegurança jurídica do que o contrário.
Sob essa perspectiva, Vainzof mencionou que a quantidade de mudanças dessa nova proposta é muito maior se comparada ao texto de 2016 — que, naquele ano, já havia completado mais de oito décadas de vigência. Dentre os temas de maior atenção discutidos durante o encontro, estão a responsabilidade das plataformas digitais, o direito ao esquecimento, a Inteligência Artificial (IA) e o deepfake.
Uma das sugestões apresentadas pelo consultor, com base em estudo prévio da proposta, é o tratamento e a exclusão em prazo de 24 horas de conteúdos tipificados criminalmente, como racismo, terrorismo, instigação ao suicídio, violência contra a mulher e atos ilícitos contra crianças e adolescentes.
Vainzof ainda reforçou que não existe a necessidade de se criar uma legislação de regulação da IA, mas adaptar normas já existentes em outros países para a nossa realidade.
Comissões para a condução de propostas
Em virtude da identificação de lacunas no texto apresentado ao Senado, o Conselho Superior de Direito da FecomercioSP deliberou a criação de duas comissões dedicadas a analisar tecnicamente o conteúdo e, partir dessa análise, apresentar sugestões de melhoria à comissão responsável pela criação do documento.
Os grupos de trabalho deverão entregar, em breve, propostas que poderão ser encaminhadas, posteriormente, ao Congresso Nacional para aperfeiçoamento do projeto de lei.