Editorial
05/05/2017Reformulação do setor energético no País é urgente, avalia José Goldemberg
De acordo com o presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, programas do MME, do Mdic e da Petrobras carecem de uma coordenação central e representam esforços que defendem políticas contraditórias
Goldemberg considera que os programas em elaboração focam apenas o lado da oferta ou o da demanda
(PixAbay)
José Goldemberg
Vários setores do governo federal parecem ter se dado conta que é urgente a reformulação do setor energético no país.
O Ministério de Minas e Energia lançou o programa Renova Bio para estimular a produção e consumo de biocombustíveis (etanol e biodiesel). A Petrobras lançou o programa Combustível Brasil para definir o futuro da produção de gasolina e diesel. E o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comercio (Mdic) está preparando um novo programa para a indústria automobilística, o Rota 2030.
Estes programas estão sendo elaborados sem uma coordenação central e, ao que tudo indica, representam esforços de corporações e órgãos governamentais que defendem políticas contraditórias. Os dois primeiros olham o programa de energia pelo lado da oferta e o último pelo lado da demanda.
O Renova Bio propõe basicamente o aumento da produção de etanol de cana de açúcar e biodiesel (produzido com soja) e subsídios generosos para que isto aconteça por meio de aumento da Cide. Para o biodiesel da soja em particular se propõe o aumento da percentagem de 10 para 15% no óleo diesel do petróleo.
O Combustível Brasil defende a ampliação da produção de gasolina e diesel a partir do petróleo e tenta ser realista ao ponto de reconhecer a necessidade de importar grandes volumes destes combustíveis.
O Rota 2030 em preparação pelo Mdic tenta definir rumos para a indústria automobilística do Brasil incluindo metas de desempenho veicular, o que significa, na prática, aumentar a eficiência dos veículos, o que, aliás, os Estados Unidos já fazem desde 1980.
Esta "febre de planejamento" é um paraíso para empresas de consultoria e estudantes de pós-graduação das nossas universidades, mas sofre de um problema básico, que é o fato bem conhecido de que planejar no Brasil, onde o Produto Nacional Bruto tem variado ao longo dos anos de maneira dramática (de um crescimento médio de 2% ao ano para 3% negativos ao ano), não é uma tarefa para amadores.
Os documentos disponíveis sobre os programas do MME, Petrobras e Mdic estão recheados de generalidades, incorreções e defesa dos interesses dos grupos econômicos envolvidos (produtores de biocombustíveis, de petróleo e de automóveis e caminhões).
O Renova Bio tenta mostrar o sucesso alcançado com etanol de cana de açúcar, que é de fato real e se constitui num dos maiores programas de redução de emissões do mundo. Desde 1971 os 560 bilhões de etanol produzidos substituíram 450 bilhões de litros de gasolina e reduziram as emissões de CO2 de cerca de 1,0 bilhão de toneladas (que é próximo do que o Brasil emite num ano). Subsídios foram usados na fase inicial do programa até que a tecnologia melhorasse (cerca de US$ 30 bilhões de 1975 a 2004), o que corresponde a 13 centavos de real por litro. (Entre 1975 e 2004 foram produzidos o equivalente a 233 bilhões de litros de gasolina na forma de etanol. US$ 30 bi/233 bi de litros = US$ 0,13).
Já o biodiesel de soja, que o programa propõe ampliar, é problemático. A produtividade de biodiesel de soja é baixa (500 l/hectare) e parece difícil aumentar. Todo o etanol produzido no Brasil hoje (28 bilhões de litros por ano) usa cerca de 5 milhões de hectares. Biodiesel usa a mesma área para produzir apenas 2,5 bilhões de litros.
Os relatórios da Petrobras argumentam que adotar combustíveis que levam à redução das emissões de gases que provocam o aquecimento global, como os biocombustíveis, não é realmente necessário porque o Brasil já tem uma matriz energética limpa e não tem, portanto, dificuldades de cumprir os compromissos assumidos na Conferência de Paris, o que não é verdade. A matriz energética brasileira está se carbonizando porque a expansão da produção de energia hidrelétrica está encontrando problemas e o uso de combustíveis fósseis (gás e óleo diesel) para gerar eletricidade tem aumentado muito. Mais ainda, o cumprimento dos compromissos que o Brasil assumiu em Paris dependem da redução do desmatamento e do reflorestamento de 12 milhões de hectares de áreas desmatadas que não se sabe como será feita.
O relatório da Petrobras coloca também grandes expectativas para as 2ª e 3ª gerações desqualificando na realidade o sucesso que a 1ª geração da produção de etanol de cana de açúcar teve no Brasil. O que a realidade está mostrando é que, no mundo todo, estas tecnologias, em torno das quais se fez grande alarde, estão encontrando dificuldades de difícil solução.
A melhor rota para tentar resolver estes problemas é reduzir o consumo de combustíveis líquidos no Brasil, e o programa do Mdic (Rota 2030) tem o potencial de fazê-lo ou de indicar os melhores caminhos a seguir.
Por exemplo, com a introdução de veículos elétricos, grande parte da frota poderá ser de automóveis híbridos, rodando com eletricidade para pequenas distâncias (20 a 30 km) e com combustível líquido para distâncias maiores. Com a cana-de -açúcar pode-se alimentar o veículo com etanol e com bioeletricidade, obtendo-se uma redução de 89 gCO2 (98-9) se comparado com a gasolina. Além disso, considere que veículos híbridos são duas vezes mais eficientes que os veículos a combustão interna.
No que diz respeito aos veículos pesados, já há tecnologia comercial para operar motores tipo diesel com etanol, desde que se agregue um aditivo ao mesmo. A Scania tem frota de ônibus operando há cinco anos em São Paulo e há 15 anos na Suécia. Caminhões não deverão usar eletricidade, dado o seu alto consumo e o custo do grande volume de baterias, mas poderão usar etanol.
O Rota 2030 mostra é que pode-se diminuir a demanda de combustíveis líquidos, tanto etanol, biodiesel como gasolina e óleo diesel, reduzindo portanto as emissões de CO2. O que é fundamental é integrar estes três programas.
*José Goldemberg é presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico no dia 5 de maio de 2017.
Veja também:
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