Economia
29/10/2024Regulação da IA: relatório traz incompatibilidades normativas que, se aprovadas, podem aumentar a judicialização
Inclusão de item no projeto que regula a Inteligência Artificial pode comprometer normas laborais e causar indefinições na legislação
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), que acompanha a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) em discussão no Senado Federal, encaminhou, mais uma vez, aos senadores — e em especial a Eduardo Braga (MDB/AM) —, sugestões para aprimorar o relatório da Comissão Temporária Interna de IA no Brasil (CTIA), apresentado em julho. Desta vez, a preocupação é com um dispositivo incorporado ao texto do Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, relativo à relação entre capital e trabalho, que tem potencial de criar insegurança jurídica e judicialização.
No artigo 56 do PL em questão, o relatório atribui competência a órgãos administrativos, como o Sistema Nacional de Regulação e Governança em IA (SIA) e o Conselho de Cooperação Regulatória e Inteligência Artificial (CRIA), para a definição de normativos e políticas públicas relacionadas às relações trabalhistas e à matéria de saúde e segurança ocupacional. A Entidade destaca que, apesar de representar uma preocupação válida com as relações laborais diante da constante transformação do mercado de trabalho, em virtude da adoção da IA, a complementação atribui capacidade e legitimidade para definição de políticas públicas aos órgãos administrativos, enquanto caberia aos poderes da República a criação de normas dirigidas ao setor privado.
“Essa dinâmica, por si só, poderá colidir com o princípio da legalidade — e até promover relevante judicialização por parte do ente privado, na medida em que interfere no desenvolvimento da atividade econômica”, afirma a FecomercioSP, em nota técnica encaminhada a Braga. No documento, a Federação pede a supressão do dispositivo do relatório ou a retomada do texto anterior.
A FecomercioSP também ressalta que incisos inseridos no texto são inconstitucionais por representar afronta ao princípio da livre-iniciativa, já que interferem na organização e na gestão da atividade econômica. Com isso, fere-se também a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), fazendo com que o desenvolvimento de novas formas de produção e tecnologia sejam prejudicadas. A inserção de um inciso sobre a saúde e a segurança do local de trabalho é outro ponto destoante do ordenamento jurídico. As normas de regulamentação referentes a esses aspectos são de caráter técnico específico e competência exclusiva do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Da mesma forma, o artigo sobre as negociações coletivas, da maneira como está redigido, adentra a competência exclusiva dos entes sindicais e do próprio MTE.
Por fim, a Entidade lembra ainda que o tema da demissão em massa, sem negociação coletiva, já se encontra regulada em legislação especial da Reforma Trabalhista, dispensando a intervenção legislativa na proposta em tramitação. A FecomercioSP ressalta que, ao se inserir o dispositivo no texto, cria-se uma contraposição entre as normas, gerando alto grau de insegurança jurídica e possível judicialização da situação. A Federação considera que já há mecanismos legais que podem solucionar essa questão.
A Entidade demonstrou o interesse de detalhar as propostas de ajustes ao relatório complementar da CTIA, bem como de contribuir para o aprimoramento da regulamentação da ferramenta, sempre defendendo o equilíbrio e o alinhamento com os princípios constitucionais, ao mesmo tempo que incentiva o crescimento econômico. Para a FecomercioSP, a regulamentação da tecnologia deve evitar a burocratização desproporcional e reduzir efeitos nocivos à inovação e ao desenvolvimento.
Além de apontar inconstitucionalidades incorporadas no artigo 56 — que adentra competências dos poderes Executivo e Legislativo, bem como das entidades sindicais —, advogando a alteração do relatório da comissão quanto às relações de trabalho, a Federação defende a revisão de outros pontos do PL, como o dispositivo que determina a avaliação preliminar, para a classificação de risco, em todas as aplicações da IA. A Entidade considera que qualquer categorização precisa se basear na utilização dos sistemas e só poderá ser obrigatória em casos em que, em contextos específicos, houver riscos envolvidos.
Outro tópico que causa preocupação no projeto é quanto à participação pública na avaliação dos impactos algorítmicos. Na avaliação da FecomercioSP, essa decisão pode comprometer informações sigilosas e não contribuiria para solucionar ameaças. Ademais, para as startups e Pequenas e Médias Empresas (PMEs), o PL deveria contemplar hipóteses de tratamento diferenciado, previstas em lei, e não delegar essas condições às autoridades setoriais. Somado a isso, há ainda o excesso de governança sobre sistemas de baixo risco, que prejudicaria a inovação, aumentando a burocracia regulatória.
A Federação, que espera que as sugestões sejam contempladas no texto do relatório, reconhece que o parecer já apresenta avanços importantes em comparação às versões anteriores. O projeto tem uma divisão mais precisa dos agentes que compõem a cadeia da IA, além de garantir maior valorização às autoridades setoriais responsáveis por estabelecer as normas e fiscalizar os atores envolvidos, bem como simplifica a responsabilização civil, inserindo definições dentro do ordenamento já existente e dá mais estímulo à autorregulação e à corregulação da ferramenta.
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