Economia
05/08/2025Tarifaço dos Estados Unidos: caminhos possíveis para o Brasil
Especialistas apontam alternativas ao País diante dos desdobramentos comerciais e diplomáticos das tarifas norte-americanas

A tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre as exportações brasileiras, que começou como uma medida protecionista, evoluiu para uma questão política, impondo impasses econômicos relevantes ao Brasil.
Embora isenções para cerca de 700 produtos signifiquem, na prática, algum alívio, a medida afeta empresas tanto com déficits quanto com superávits no Comércio com o país norte-americano. Essa situação preocupa os empresários com operações no comércio internacional em razão da sua imprevisibilidade e do potencial impacto negativo.
Diante desse quadro turbulento, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) reuniu três especialistas para discutir os rumos possíveis para o País.
A live foi organizada pelo Conselho de Relações Internacionais e pelo Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política, ambos da Federação, com a presença de Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial; Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington; e Thiago de Aragão, diretor de Estratégia da Arko Advice.
Confira, a seguir, os principais destaques.
Impacto para as exportações brasileiras
Canuto estimou que o efeito negativo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, com base na atual estrutura das exportações, deve ficar em torno de 0,9%. Estudos realizados por instituições como o J.P. Morgan e a Fundação Getulio Vargas (FVG) apontam em direção semelhante. Considerando essa projeção, um crescimento de 2,3% previsto para o próximo ano poderia ser revisto para algo menor do que 2%. O resultado, embora negativo, é menor do que se previa em cenários mais extremos.
“Quer dizer, em termos absolutos, o impacto é menor, bem menor do que o que seria com os 50% prevalecendo para tudo. É um impacto negativo, mas, ao mesmo tempo, não é desastroso. Claro, é bem ruim do ponto de vista dos setores específicos, como carnes e frutas, que não foram beneficiados pela isenção. Mas é preciso lembrar que também estamos falando de aviões e peças de aviões que, em vez de 50%, continuarão sendo taxados em 10%”, afirmou.
Cautela na reação brasileira
Segundo o ex-vice-presidente do Banco Mundial, o Brasil deve ter cautela na resposta à tarifa. “A China, por exemplo, pode retaliar porque tem condições para isso. O recente alívio nas restrições às exportações de semicondutores avançados, em troca de manter o acesso aos minerais críticos, foi um dos primeiros passos da trégua. Nós não temos isso. Não parece coincidência que alguns países tenham evitado retaliar, preferindo negociar para minimizar as consequências.”
Reforma comercial
Canuto ainda ressaltou que, mesmo com o avanço da guerra comercial, o Brasil deveria levar adiante uma agenda de abertura e, assim, melhorar a sua competitividade internacional. “Apesar das mudanças promovidas pelos Estados Unidos, não devemos abandonar a discussão das vantagens que poderíamos ter com um programa unilateral de abertura comercial e a redução de tarifas”, complementou. “No fundo, também é importante continuar aprimorando o ambiente de negócios nacional, tornando-o menos oneroso para a produtividade. O caminho é investir em infraestrutura e melhorar a qualidade da educação.”
Separar diplomacia e comércio
Já de acordo com Barbosa, é essencial separar negociações comerciais das questões político-diplomáticas. Ele acredita que retaliar medidas políticas com econômicas seria prejudicial ao País e iria de encontro ao interesse nacional. Segundo o diplomata, no Brasil, essa separação não está ocorrendo, de forma que há uma contaminação das negociações comerciais pela influência de medidas políticas dos estadunidenses.
“Nós temos de separar a escalada política-diplomática da comercial. O governo brasileiro respondeu bem quanto às questões diplomáticas — com rejeição à interferência externa —, e a negociação comercial não deve ser condicionada a esses impasses, à retórica política daquele país. Nós negociamos a parte comercial muito bem. A estratégia que adotamos nesse sentido, desde abril, inclusive com participação direta das empresas brasileiras, tem sido positiva. Como resultado, o anúncio de Trump proporcionou um alívio parcial no impacto negativo sobre os nossos setores Industrial e Agrícola”, frisou. “Apesar das diferenças ideológicas entre os governos dos dois países, precisamos estabelecer canais de comunicação.”
Pragmatismo
Barbosa também salientou que a relação entre as duas nações vai continuar sólida, desde que o Brasil foque nas questões de longo prazo, sem reações impulsivas às políticas de Trump. Contudo, neste momento, sugere uma postura independente, priorizando os próprios interesses sem alinhamento automático com potências como Estados Unidos, China, Rússia ou o próprio Brics. “Precisamos de uma declaração pública forte e ações coerentes, mostrando que nossa posição é independente”, afirmou.
Isenção e outras alternativas
Aragão, por sua vez, apontou que, atualmente, inúmeras empresas estão se esforçando para entrar na lista de isenção tarifária, enquanto tentam se adaptar a essa nova realidade. “O foco das indústrias é garantir a inclusão na lista, à medida que as negociações forem se desenvolvendo nos próximos 30 a 45 dias. Caso isso não ocorra, a alternativa será buscar outros mercados. Na pior das hipóteses, poderá haver uma diminuição dos investimentos no País por parte dessas companhias, já que o mercado interno não consegue absorver todo o volume que antes era exportado para os Estados Unidos.”
Na visão do diretor da Arko Advice, os produtos críticos ao país da América do Norte, como o café e a carne, ficaram fora da lista de isenção — como estratégia do presidente estadunidense para manter o ímpeto de negociação e de urgência por parte do Brasil. “O modus operandi de Trump não é novidade. Ele utiliza gatilhos políticos para criar ansiedade e pressionar por resultados. Ele gosta de fechar negócios em um jogo de soma-zero, em que precisa apresentar uma vitória. A exclusão de produtos críticos do Brasil visa aumentar a urgência na negociação, sabendo que esses setores têm grande influência no governo brasileiro, como uma forma de pressão sobre as negociações”, acrescentou.
“Podemos identificar esse padrão em várias negociações. No Brasil, é a extrema direita e o Supremo Tribunal Federal (STF); no México, o fentanil; no Canadá, tornar aquela nação o 51º Estado do país; na União Europeia (UE), a anexação da Groenlândia ao território estadunidense; na África do Sul, o apartheid inverso contra os africanos brancos; no Panamá, o Canal do Panamá. Assim, sempre há um gatilho político com um objetivo comercial”, concluiu.
O encontro também contou com as presenças de Rubens Medrano, presidente do Conselho de Relações Internacionais; e Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política.