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Negócios

Tensão entre Estados Unidos e China desenha o mundo atual

Em reunião do Conselho de Relações Internacionais da FecomercioSP, especialista Thiago de Aragão fala acerca dos impactos da geopolítica sobre o comércio global

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Tensão entre Estados Unidos e China desenha o mundo atual
Disputa pela hegemonia econômica tornam Estados Unidos e China fiéis da balança global (Arte: Tutu)

Em meados de novembro, as imagens do aperto de mão entre Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e Xi Jinping, presidente da China, rodaram o mundo. Atrás da aparente cordialidade, contudo, a relação entre os dois países não está caminhando para um momento de convergência, analisa Thiago de Aragão, diretor de Estratégia da Arko Advice e pesquisador do Center for Strategic and International Studies (CSIS), em Washington. “Ao contrário do que aparentou, a relação não está caminhando para uma resolução, porque isso é impossível. A própria noção de mundo de cada um é antagônica à do outro”, afirmou o pesquisador, durante reunião do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) ocorrida na última quarta-feira (22). Na ocasião, Aragão ressaltou que esse antagonismo tem implicações para todo o mundo — incluindo, é claro, o Brasil.

Dentre as visões de mundo irreconciliáveis, Aragão citou a propriedade intelectual. “As empresas norte-americanas e as ocidentais, de forma geral, se ancoram na propriedade intelectual para proteger as próprias ideias. Já a China, em termos históricos e filosóficos, não reconhece a validade da propriedade intelectual. Segundo Confúcio, uma ideia, após dita, pertence ao universo”, refletiu o especialista.

Em decorrência desse conflito conceitual, questões de plágio, espionagem industrial e engenharia reversa passaram a ser um problema em corporações ao redor do globo. Num aparente retrocesso à tendência de globalização, termos como “nearshoring” e a “valorização do comércio local” entraram no vocabulário da sociedade em diversos países.

Nessa disputa pela produção e pelos mercados globais, a China tem levado vantagem. Afinal, as empresas ocidentais são livres para produzir onde quiserem, mas as chinesas precisam responder às ordens de um governo autoritário. “Biden pode ligar para o presidente da GM e sugerir que leve a fábrica para o Paraguai, mas o presidente da GM só o fará se quiser. Agora, se o governo da China quiser, amanhã, a BYD [montadora de automóveis] terá de ir para o Equador”, exemplificou Aragão. Portanto, no Ocidente, é a capacidade de inovar e se tornar competitiva que garante o lugar de uma empresa no mercado. Nas chinesas, o interesse comercial se mescla ao estatal.

Risco da dependência

Embora o gigante asiático represente um mercado atrativo e, em muitas situações, um parceiro interessante, o tamanho do país traz um risco de dependência a diversas outras nações. “O Brasil ainda tem uma economia mais ativa, mas, na Guatemala, em El Salvador e no Equador, as soberanias são aniquiladas, com a impossibilidade de os concorrentes obterem ou retomarem o mercado. Isso gera uma situação de dependência que, cedo ou tarde, será usada por Pequim”, afirma o diretor de Estratégia da Arko Advice.

O especialista ainda citou o exemplo do Peru, que teve de suspender pela primeira vez, em muitos anos, a pesca de anchovas por uma temporada, porque não existiam peixes adultos — fenômeno causado pela pesca predatória praticada por barcos chineses. Contudo, o Peru não tinha a possibilidade de “peitar” a China. A questão levou a um efeito dominó à economia peruana: o país precisou ceder auxílio aos pescadores, o que veio por meio de mais impostos na cadeia do gás, que, por sua vez, afastou investidores externos. 

Não se trata de classificar que a dependência da China seja pior ou melhor do que a dependência dos Estados Unidos. O ideal é não ficar nas mãos de economias maiores. No entanto, a América Latina é, hoje, uma das principais arenas da disputa sino-americana — e, nesse cenário, os estadunidenses vêm claramente perdendo terreno. “Atualmente, os Estados Unidos não conseguem mais gerar dependência em outros países. A viabilidade de linhas de crédito é mais difícil, burocrática e gera antagonismo na política interna. A agenda deles tem sido imigração ilegal e narcotráfico, o que gera uma antipatia nos líderes da região”, explicou Aragão. Para citar um exemplo na prática, o agronegócio brasileiro já depende da China. “A bancada ruralista foi o principal lobista da Huawei no leilão do 5G no Brasil. O embaixador chinês convidava membros da bancada e deixava relativamente claro que poderia haver inspeções sanitárias não programadas”, contou. 

A saída para ficar livre desse tipo de interferência seria diversificar as culturas e os compradores de produtos agrícolas brasileiros. “A Índia é uma possibilidade. Mas abrir novos mercados é difícil, demanda vontade e estratégia. O que estamos fazendo é cavando um buraco ainda maior, diminuindo outras culturas para aumentar a soja”, opinou o especialista. A China, por sua vez, trabalha para não se tornar dependente da soja brasileira, com acordos para o plantio na Tanzânia e na Mongólia. 

Dependência da moeda 

As tensões entre China e Estados Unidos estão relacionadas, também, com as guerras atuais. O isolamento da Rússia tornou o mundo ainda mais dependente das linhas de crédito de Pequim, que dá como garantia produções futuras de lítio, gás e fertilizantes. “A China ou compra tudo e consome internamente ou vende no comércio global. A Rússia se torna, assim, uma colônia comercial chinesa”, afirmou Aragão. E países que orbitavam na esfera russa, como Sérvia, consequentemente, acabam sofrendo influência chinesa. 

Na guerra entre Israel e Hamas, além do óbvio embate histórico, Aragão ressaltou que a China influencia o Irã, que, por sua vez, influencia o Hamas. “A China seria o único país que poderia ter como forçar o Irã a mudar de posicionamento, porque este depende de vender o petróleo para a China e das linhas de crédito”, esclareceu.   As guerras, portanto, aceleram o processo de “yuanização” da economia global.

Durante a reunião, contudo, Rubens Medrano, presidente do Conselho de Relações Internacionais, lembrou que Jinping não “voa em céu de brigadeiro”, porque tem também desafios a resolver, como a desaceleração do crescimento interno. “Como é um governo ditatorial, não se consegue apurar a veracidade de muitas informações, mas sabemos que há problemas, como a crise no mercado imobiliário. A classe média cresce, o que muda as necessidades do país. A China tem suas vulnerabilidades”, ressaltou.

De fato, embora ainda opere numa prosperidade econômica, algumas mudanças políticas importantes trazem certos riscos, dentre eles, o aumento da centralização do poder e o autoritarismo do presidente. “Hoje, os Estados Unidos se ancoram mais na ideia de implosão do que explosão da China, até porque não têm capacidade de derrotar o antagonista na economia ou no comércio. Mas acreditam que ações internas, como prender ministros e membros das forças armadas, pode acabar colapsar o país”, avaliou Aragão. 

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