Legislação
16/03/2023Tributário: entenda decisão do STF sobre “coisa julgada” que prejudica gravemente as empresas
Em caso de mudança de entendimento pelo Supremo, Fisco poderá cobrar até mesmo tributos não pagos no passado por amparo de decisão judicial transitada em julgada favorável ao contribuinte
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 8 de fevereiro validar a “anulação” automática de decisões judiciais definitivas, inclusive as favoráveis ao contribuinte nas relações jurídico-tributárias de tratamento continuado – isso quando a própria Corte venha mudar o entendimento sobre o tema tempos depois.
De forma simplificada: a partir de agora, o contribuinte autorizado pela Justiça a não recolher algum tributo, automaticamente perderá este direito e terá que voltar a pagá-lo, caso o STF analise o assunto em ação de repercussão geral e entenda que a cobrança seja válida a todos – isso mobiliza todas as instâncias do Poder Judiciário, inclusive os Fiscos e os Tribunais Administrativos, que precisarão aplicar o mesmo entendimento para causas semelhantes.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) alerta ao risco que isso traz ao País, tendo em vista que a decisão judicial definitiva é uma cláusula pétrea da Constituição e deve permanecer imutável, preservando a premissa básica do Estado Democrático de Direito nas relações de natureza tributária, tal como a segurança jurídica entre o Estado e os seus contribuintes.
Um dos pontos mais preocupantes disso tudo é a modulação dos efeitos, ou seja, se a anulação automática de decisão definitiva passaria a valer somente a partir de agora ou se aplicaria a situações mais antigas alcançando até mesmo o prazo decadencial e/ou prescricional com todos os encargos incidentes. A maioria dos ministros entendeu que este marco temporal não se aplica a matérias tributárias, envolvendo o objeto do Recurso Extraordinário 955.227/BA, com repercussão geral, Tema 885 da Corte Suprema. Com isso, os órgãos fazendários estarão livres para cobrar retroativamente impostos os quais o contribuinte conseguiu o direito de deixar de pagar no passado, por força de decisão judicial definitiva favorável (quando não cabe mais recurso).
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Isso poderá inviabilizar a manutenção de inúmeras atividades econômicas, pelo volume a que esses valores podem alcançar, com impacto direto e indireto na geração de empregos e, ainda, na capacidade de investimento de muitas empresas, já tão devastado pelos reflexos da pandemia e da instabilidade política e falta da segurança jurídica.
O pano de fundo do debate na Corte foi a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Na verdade, a anulação (ou “quebra”) de decisão anterior já existia, mas não era automática. Deste modo, quando o entendimento no STF validava a cobrança, o Fisco precisava “provocar” a Justiça, por meio de uma ação rescisória, para ter o direito de cobrar novamente o contribuinte, pedido que deveria também ser analisado e que poderia (ou não) ser atendido pelo Judiciário.
Não é possível deixar de lado os inúmeros aspectos contábeis e fiscais que ficarão em uma inegável “zona cinzenta”, com a possibilidade de os contribuintes terem que rever os seus relatórios contábeis do ano corrente e futuros, fluxo de caixa, provisão de contingências fiscais, entre outros. Os negócios planejam investimentos mais longos considerando a segurança de que não terão surpresas mais adiante. A partir de agora, estão diante do risco de terem de lidar com endividamentos imprevistos, frente a uma decisão judicial definitiva perdendo eficácia quase que “da noite para o dia”.
A FecomercioSP alerta que, caso o STF não decida pela modulação dos efeitos da decisão para o futuro, a maioria dos contribuintes que estão protegidos por uma decisão judicial transitada em julgado atualmente, serão responsáveis por volumosas dívidas perante o Fisco, caso haja a mudança de entendimento pelo judiciário (o que é recorrente) – isso compromete a existência de milhares de empreendimentos, posto que, infelizmente, muitas empresas não terão condições de pagar esses débitos.
Por tais razões, a Entidade clama pela revisão da decisão proferida pelo plenário do STF, no sentido da preservação de um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a coisa julgada (imutabilidade das decisões judiciais), nos termos do disposto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e, principalmente, do princípio da segurança jurídica nas relações entre o Estado e os seus contribuintes.
Por fim, há outro ponto relevante sobre o assunto: os ministros decidiram que os princípios da anterioridade anual e da noventena se aplicam à “quebra”, exceto para os casos envolvendo a cobrança da CSLL. Diante disso, após essa decisão do STF, o Poder Público terá de respeitar, a depender do caso, os prazos de um ano, bem como o de 90 dias, para exigir a cobrança de certos tributos ou contribuições que considerar devida, incluindo aquelas não pagas no passado.
O assunto foi tratado no Tome Nota de março. Acesse o conteúdo completo.