Editorial
21/04/2020Um sistema imprescindível, por Abram Szajman
Presidente da FecomercioSP critica a ação do Poder Público de reduzir pela metade a contribuição das empresas para o Sistema “S” por três meses
Atitude pode prejudicar sistema fundamental para o exercício da cidadania no Brasil
(Arte: TUTU)
*Por Abram Szajman
Ao fim da 2ª Guerra Mundial, países da Europa devastados pelo conflito pactuaram um sistema de bem-estar social destinado a proporcionar serviços públicos de qualidade, em especial na educação e na saúde, para equilibrar as oportunidades em relação aos segmentos menos favorecidos da população.
Instituições que então surgiram, como o National Health System (NHS) – o sistema público de saúde britânico, inspirador do nosso Sistema Único de Saúde (SUS) –, hoje são esteios no combate ao novo coronavírus e na redução da mortandade causada pela pandemia que aterroriza o mundo.
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No Brasil, em 1946, o mais parecido que se criou em relação ao welfare state europeu foram as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, conhecidas como “Sistema S”. Desde então, o reconhecido papel representado por elas na redução das enormes e seculares desigualdades nacionais é tamanho que a sua principal fonte de custeio recebeu a máxima proteção jurídica: está inserida no art. 240 da Constituição Federal.
Ao longo de mais de sete décadas, esse sistema, que se tornou indispensável para o efetivo exercício da cidadania no País, vive uma situação paradoxal, exemplificada pelas trajetórias do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e do Serviço Social do Comércio (Sesc).
De um lado, comprovaram ser a inciativa privada capaz de desenvolver eficientes modelos: um de treinamento, aperfeiçoamento e qualificação de recursos humanos (caso do Senac); e outro especializado em lazer educativo e educação continuada com atividades esportivas, culturais e artísticas, foco do Sesc.
De outro lado – como na fábula do escorpião que aferroa o sapo que o transporta em plena correnteza –, sofreram repetidas ameaças de estatização ou de apropriação governamental de parte de suas verbas, entre elas a isenção do pagamento das contribuições concedida às empresas enquadradas no Simples Nacional, apesar de continuarem a utilizar os benefícios. Esse processo culminou com a edição da Medida Provisória n.º 932/20, reduzindo em 50% as contribuições destinadas às entidades que suprem a lacuna estatal de promover o bem-estar social e a qualidade de vida dos trabalhadores. A política adequada seria exatamente a oposta: o Estado reconhecendo o seu fracasso em prestar esses serviços deveria gradativamente criar condições para que essas entidades expandissem as atividades.
O momento é grave, e medidas drásticas precisam ser tomadas em defesa da vida das pessoas, em primeiro lugar, e no apoio às empresas e aos trabalhadores formais e informais privados de receita e renda. Isso deve ser feito, porém, com injeção massiva de recursos públicos na economia, postergando para o término da crise as preocupações orçamentárias ou de equilíbrio fiscal. Os poderes Legislativo e Judiciário estão dando, inclusive, o devido sinal verde para isso ao Executivo.
O que não pode ocorrer, entretanto, é o mesmo Estado paquidérmico, mantido por uma das mais altas cargas tributárias do planeta, que não abre mão das regalias de seus altos escalões – ao contrário do que ocorre em diversos países atingidos pelo covid 19 –, pretender inviabilizar a prestação de serviços essenciais à população, mantidos mesmo durante a quarentena.
Insignificante para atingir o propalado objetivo de aliviar o caixa das empresas, o talho nos recursos, já minguados pela recessão que se aproxima, representará ferir de morte planos de expansão do Sesc para bairros paulistanos populosos, periféricos e carentes, como São Miguel Paulista e Pirituba, além de comprometer a quantidade e a qualidade dos atendimentos. Deixará, também, uma geração de jovens sem as alternativas de inserção no mercado de trabalho que o Senac lhes proporcionaria.
Dessa forma, está nas mãos do Congresso Nacional, que tanto tem feito para corrigir as distorções e ampliar o alcance das medidas emanadas do Executivo, impedir esta flagrante ingratidão não apenas com o Sistema "S", mas com toda a sociedade que se beneficia dele.
*Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), entidade que gere o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) no Estado.
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo no dia 21 de abril de 2020.