Sustentabilidade
18/11/2016Usina recicla bitucas de cigarro com tecnologia desenvolvida por universidade
Empresário teve a ideia da reciclagem ao ver reportagem sobre projeto da UnB e, hoje, coleta até 150 kg do material por mês, além de dar palestras sobre educação ambiental
Negócio foca na logística desse resíduo, coletando e fervendo as bitucas com produtos químicos, tirando sua toxicidade e formando a matéria-prima do papel
(Arte/TUTU)
Por Jamille Niero
Estima-se que a bituca de cigarro contenha mais de 8 mil substâncias tóxicas, um resíduo perigoso para o meio ambiente se jogado fora sem o cuidado adequado. Pode, por exemplo, contaminar a água se cair em rios e lençóis freáticos. Foi pensando em dar um fim adequado a esse resíduo que o empresário Marcos Poiato criou a Poiato Recicla, negócio que tem como foco coletar e reciclar bitucas, transformando-as em matéria-prima para produção de papel e papelão.
“Ela é pequena e leve, por isso é chamada de lixo invisível: um quilo equivale a cerca de 2,5 mil unidades. Em termos de peso é pouco, mas de volume é muito”, explica. Por mês, são coletados, em média, de 130 kg a 150 kg de bitucas, depositadas em mais de 3 mil caixas instaladas em todo o Estado.
Hoje, já somam 100 as companhias que contrataram o serviço da Poiato, além de três prefeituras (por meio de suas Secretarias de Meio Ambiente): Votorantim, Boituva e Campinas, todas no Estado de São Paulo.
A ideia do empreendimento surgiu anos atrás, quando entrou em vigor em São Paulo a lei que proíbe o fumo dentro de estabelecimentos fechados. Com isso, as pessoas passaram a fumar do lado de fora desses locais, muitas vezes jogando a bituca no chão mesmo, o que despertou em Poiato o interesse em trabalhar com a gestão desse resíduo. “Eu trabalhava na indústria farmacêutica e tinha conhecimento da questão da interação medicamentosa de cigarros com remédios, por isso compreendia as implicações do cigarro na saúde”, relembra.
Desde 2011 Poiato passou a operar na logística desse resíduo, criando uma estrutura com caixa para coleta e armazenamento. Foi quando viu uma reportagem sobre uma tecnologia desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB), que consistia em ferver as bitucas com produtos químicos, tirando sua toxicidade e formando uma massa celulósica, base para o preparo de papel.
O empresário entrou em contato com os responsáveis pelo estudo e, um ano e meio depois que obteve a autorização do uso, conseguiu inaugurar a primeira usina de reciclagem, em 2014. “Tivemos que construir espaço, obter os equipamentos e as licenças adequadas, a aprovação para o manuseio, definir o que fazer com os resíduos, etc”, explica. A usina está instalada em Votorantim.
A universidade forneceu os direitos da patente e acompanhou a montagem da usina. Tudo foi adequado para aplicar o processo em grande escala. A operação da empresa consiste ainda em promover a educação ambiental, com palestras e projetos visando à mudança de comportamento da sociedade. Segundo o empresário, foram firmadas várias parcerias com instituições de todo o País com esse objetivo.
“Mostramos que não é só colocar uma caixa para recolher o lixo, porque apenas isso não resolve o problema. É preciso um trabalho de educação para ensinar ao cidadão que, em se tratando de resíduos sólidos, quanto menos mandar para aterros e mais reciclar, melhor.”
Atualmente, há mais duas universidades trabalhando em parceria com a usina para desenvolver novas tecnologias a partir da bituca: a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As pesquisas vão desde descobrir novos usos para a água utilizada no cozimento das bitucas, que é tratada e reutilizada no processo, a analisar o uso do material como uma espécie de “manta” para absorver resíduos pesados, passando ainda por aproveitar as bitucas como isolamento acústico.
Para a assessora do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Cristiane Cortez, o papel das universidades no desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitem ações sustentáveis é muito importante. “A maioria das universidades, principalmente as públicas, têm a pesquisa e a inovação como foco, e muitas contam com financiamento das agências de fomento federais e estaduais. Elas são importantes porque os professores têm o conhecimento e os alunos conseguem chegar a processos e produtos novos através da pesquisa, que chamamos de ‘aplicadas’, porque possuem esse viés de demanda, de algo que a sociedade precisa”, destaca.
Quando o produto ou serviço pesquisado se torna de fato um negócio em andamento, sendo comercializado por uma empresa, o próprio pesquisador acaba ficando mais estimulado. “É um incentivo para ele e para os alunos que chegam depois, já que o fruto daquela pesquisa foi de fato para o mercado”, opina Cristiane.
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