Legislação
12/08/2021Em evento da FecomercioSP, tributaristas rechaçam Reforma Tributária do governo: “Descalabro”
No encontro Desafios da Reforma Tributária, realizado em parceria com a Aide, especialistas indicam que projeto tem potencial recessivo e litigioso
Juristas e economistas desaprovam a proposta de Reforma Tributária do governo
(Arte/Tutu)
Por Eduardo Vasconcelos
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por meio do Conselho Superior de Direito (CSD), e a Academia Internacional de Direito e Economia (Aide) promoveram, nesta quarta-feira (11), o evento Desafios da Reforma Tributária, no qual diversos especialistas compartilharam avaliações a respeito dos principais projetos em trâmite no Congresso Nacional que visam a reformular o sistema de impostos nacional.
Liderado pelos presidentes do CSD, Ives Gandra da Silva Martins, e da Aide, Francisco Rezek, o encontro virtual abordou as modificações propostas pelo governo federal contidas no Projeto de Lei (PL) 2.337/2021 (também conhecido como “a segunda fase da Reforma Tributária”), especialmente as que dizem respeito ao lucro presumido, à tributação de dividendos e ao Imposto de Renda (IR).
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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, do Senado, e o PL 3.887/2020, proposto pelo Poder Executivo com a intenção de unificar o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), também foram objeto de análise dos palestrantes.
IR e tributação sobre dividendos
Dedicado à reforma do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), o primeiro painel, mediado pelo presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho (CERT) da FecomercioSP, José Pastore, contou com palestras de Everardo Maciel, consultor tributário, acadêmico da Aide e ex-secretário da Receita Federal, e Edvaldo Brito, tributarista, professor e acadêmico da Aide.
Apesar de a proposta do governo reduzir a alíquota do IRPJ, restabelece a tributação de lucros e dividendos, extinta em 1996. À frente da Receita Federal quando tal ônus foi eliminado, Maciel afirmou, categoricamente, que a lei não fala em isenção. “Qualquer tributarista sabe a diferença entre isenção e não incidência de imposto. A lei prevê, neste caso, a não incidência”, frisou.
O consultor também destacou que, como a proposta do governo aumenta a tributação sobre as empresas optantes pelo lucro presumido, pode acabar com a única “situação de absoluta paz tributária” no País. Segundo ele, não há litígios associados a este regime de tributação.
Além disso, apontou que, apesar de a alíquota efetiva do lucro presumido ser maior do que a do lucro real, muitas empresas optam por aquela forma de tributação porque há simplicidade e segurança jurídica.
“Há um regime mais bem-sucedido que o do lucro presumido? É funcional, bom para o contribuinte e bom para o Fisco. De 1996 até 2002, o IRPJ teve um crescimento de arrecadação de 117%. A participação do IRPJ no PIB [Produto Interno Bruto] cresceu 50% nesse período. Sabe o que é interessante? Os contribuintes gostaram. Conseguimos fazer algo proveitoso para o Fisco e para o contribuinte”, declarou Maciel. Por fim, adicionou que a intenção do PL 2.337/2021 não é outra senão aumentar a alíquota sobre as empresas optantes pelo lucro presumido.
Classificando “a segunda fase da Reforma Tributária” de “descalabro”, o professor Edvaldo Brito, por seu turno, indicou que o projeto “vai fazer com que o Supremo Tribunal Federal (STF) fique lotado de questionamentos”.
Segundo ele, a proposta “é juridicamente impossível”, pois fere o princípio constitucional da autonomia dos entes federados. Ele explicou que, embora a capacidade de tributar a renda tenha sido conferida à União, o IR pertence aos Estados e aos municípios.
“Os Estados e os municípios têm o direito de impedir no Supremo que esta reforma passe. Não fizeram com a CSLL [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido] e a Cofins porque não têm participação nestas receitas. Com o IR, é diferente”, indicou Brito.
PEC 110
Com foco na PEC 110/2019, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado internacional, conduziu o segundo painel, cujo debate contou com Humberto Ávila, professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP), e Luiz Carlos Hauly, economista e ex-deputado federal (PSDB/PR).
Iniciativa de diversos senadores, a PEC 110/2019, em resumo, institui um novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo nove existentes – IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Cide-Combustíveis, salário-educação, ICMS e ISS (os dois últimos são, respectivamente, de competência estadual e municipal, enquanto os demais pertencem à União).
Crítico do texto, Ávila sintetizou o projeto como “extremamente genérico e vago, com grau elevadíssimo de insegurança”. Segundo ele, entre outras falhas, a PEC não especifica quais são as operações com bens e serviços, além de transferir para uma eventual lei complementar determinações que deveriam constar na Constituição.
“Quais são as operações com bens e serviços? Qualquer uma e todas mais que vocês possam imaginar. Estamos substituindo sete [tributos federais] por um ou sete determinados por um indeterminado? Não há especificação sobre o que é uma operação com bem ou serviço”, comentou Ávila. “Se um dos objetivos da Reforma Tributária é a segurança, que significa determinação e estabilidade, pergunto como fica a segurança com a PEC 110?”, questionou.
O professor, além disso, desaprova a proposta por transferir a definição de um eventual imposto seletivo – como é o IPI no regime atual – a uma lei complementar, deixando “palavras com um grau de insegurança elevadíssimo” na Constituição.
Defensor da proposta, Hauly disse que, após 17 reformas fatiadas desde a Constituição de 1988, a carga tributária só cresceu no País, desconstruindo o sistema original, de modo que ele classifica a estrutura vigente de “manicômio tributário”.
Segundo o economista, uma das virtudes da PEC 110 é a eliminação da inadimplência tributária, pois o modelo acaba com o imposto declaratório – antes de ser recolhido, o tributo precisa ser manifestado pelo contribuinte formalmente, ou seja, depende da sua vontade.
“A PEC proíbe o aumento da carga tributária e mantém a autonomia de Estados e municípios. O IBS segue o padrão visto nas economias desenvolvidas, e o Brasil não ingressará na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] enquanto não tiver um modelo compatível com o dela”, argumentou o ex-parlamentar.
A Reforma Tributária possível
Mediado por Samantha Meyer-Pflug Marques, professora titular de Direito Constitucional da Universidade Nove de Julho (Uninove) e acadêmica da Aide, o terceiro e último painel tratou de apontar as reais possibilidades de reformular o sistema tributário brasileiro.
Um dos palestrantes, Heleno Taveira Torres, advogado e professor titular de Direito Financeiro da USP, disse que o “grande mote da reforma deve ser a simplificação”. Na avaliação do docente, da proposta do governo, apenas a intenção de reajustar as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) deveria ser aproveitada.
Além disso, sinalizou que a propositura, por elevar a carga tributária, carrega consigo um potencial recessivo. “O governo não faz nenhum aceno de austeridade fiscal ou pela Reforma Administrativa. Pelo contrário, dia a dia, vemos ameaças ao teto de gastos. As expectativas com este projeto só trazem consequências negativas para as finanças públicas”, alertou.
Economista e acadêmico da Aide, Paulo Rabello de Castro disse que a máquina pública se tornou inviável, de modo que a reforma não pode ignorar a questão do gasto público.
“A Reforma Tributária possível começa com um reconhecimento de que estamos perdidos na floresta – e há muito tempo. A proposta da CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, prevista no PL 3.887/2020], por estar mal formulada, deveria ser banida, e a pauta da segunda fase piora ainda mais a situação. O objetivo é fiscalista”, resumiu. “Jamais haverá Reforma Tributária [eficiente] para um país que não cuida da sua máquina pública”, acrescentou.
Considerações finais
Temeroso de que a proposta do governo avance, o presidente da Aide, Francisco Rezek, clamou que as entidades aumentem a pressão sobre o Congresso Nacional. De acordo com ele, se implementado, o projeto vai acabar com muitas empresas. “O preço da evolução legislativa sensata e não desastrosa é a eterna vigilância”, declarou.
Encerrando as discussões, o presidente do CSD, Ives Gandra Martins, pontuou que, diante dos serviços públicos precários e do risco de calote relacionado ao adiamento do pagamento dos precatórios, o governo mostra que não tem dinheiro para a sociedade, tampouco para cumprir as obrigações financeiras, mas sobra para os políticos.
“Nesta crise, o mais importante é equacionar os problemas mais simples e, após sair da pandemia, discutir com mais tranquilidade as questões de natureza constitucional”, disse Martins. “O ideal seria simplificar os tributos que aí estão e reduzir as obrigações acessórias. Isso diminuiria consideravelmente os custos das empresas”, ressaltou o presidente do CSD.
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